Chipre atrai mais de 20 jogadores portugueses

A ilha procura um "futebol de qualidade" e investiu mais desde a entrada na UE. Os atletas vão em busca
de melhores salários. O astro-rei é Ricardo Fernandes

a O deus de Christos Demetriou chama-se Ricardo Fernandes, médio do APOEL, o primeiro jogador português a chegar a Chipre e a abrir caminho aos mais de 20 que, para esta época, já assinaram contratos com clubes da primeira divisão, e até da segunda. "Ele não é uma estrela, é uma superestrela", diz o fervoroso adepto da equipa campeã da ilha em 2006-2007. "Se pudesse concorrer, Ricardo Fernandes ganharia as eleições para presidente da Câmara de Nicósia, de tão popular que é", brinca o bonacheirão Demetriou. "Todos os treinadores admitem que gostariam de o ter, porque ele domina o jogo do primeiro ao último minuto." A performance do n.º 10 azul e amarelo pode ser avaliada em http://www.youtube.com/watch?v=AkLed3IQEI0, num vídeo intitulado "Ricardo Fernandes = Apoel or Death", ainda que ele não tenha sido o melhor marcador. A proeza coube a Esteban Solari, ponta-de-lança argentino, que marcou 20 golos em 24 partidas. Mudou-se agora para o Pumas UNAM, do México.
A popularidade de Ricardo é evidente quando o atleta que começou no Freamunde, passou pelo Santa Clara, Gil Vicente, Sporting, FC Porto e Académica entra num dos cafés mais in da capital cipriota, acompanhado de Nélson Veiga e Pedro Torrão, amigos/adversários do vice-campeão Omonia. Os olhares, em particular os femininos, acompanham as três figuras, que se vestem e caminham como modelos, exibindo pernas e braços musculados.
Ricardo Fernandes parece tentar seduzir a "plateia". Fãs abordam-no para o saudar, e ele retribui a admiração. "Este país oferece, a mim e à minha família, sobretudo aos meus filhos, qualidade de vida e segurança que eu não tinha em Portugal", sublinha. "Estamos muito bem aqui." Nem sempre foi assim. Ricardo chegou em Julho de 2005 e, em Janeiro de 2006, pediu para se "ir embora". Foi recebido com desconfiança, como o "estrangeiro" que vinha ocupar o lugar que os cipriotas ambicionavam. "Não havia clima de grupo", recorda. Os colegas dificultavam-lhe os passes. Gradualmente, porém, ele foi mostrando o que valia, e hoje é considerado peça central.
Christos Demetriou conta que, num jogo decisivo, o treinador do Omonia deu instruções aos seus atletas para que não deixassem o vimaranense de 29 anos aproximar-se da bola. "Se o travarem, impedirão que o APOEL marque, porque o APOEL é Ricardo Fernandes", terá dito o técnico. O médio Pedro Torrão, há cinco meses em Nicósia depois de deixar o Beira-Mar, confirma que foi "aconselhado a não largar Ricardo" durante toda a partida. "Andei sempre, mas sempre, colado a ele, não lhe dando hipóteses de se mexer", regozija-se.
Amigos, mas jogo é jogo
Como é que depois de ensinarem uns aos outros os "cantos à casa" (como aprender a conduzir pela esquerda), partilharem refeições, idas à praia e saídas nocturnas estes jogadores por vezes se agridem mutuamente em campo? "Quando pegamos na bola, não é para magoar ninguém, mas às vezes há entradas mais duras", explica Nélson. "Naquele momento, o que importa é ir ao encontro das expectativas dos adeptos." E estes, realça o cipriota George Gabriel, "fã mas não fanático" do Omonia, são capazes de encher os 20 mil a 25 mil lugares do estádio para torcer pela equipa. No caso do "clube comunista", os fiéis são tantos que lhes chamam "chineses", refere.
Escandalizado com a amizade que Ricardo e Nélson exibem publicamente, um jornal de Nicósia terá publicado uma foto de ambos, fora dos relvados, perguntando como é que o médio do APOEL podia conviver com o defesa do Omonia, quando os jogos das duas equipas são como batalhas que mobilizam um gigantesco aparato de segurança. Ricardo admite que a extrema-direita terá infiltrado a massa associativa do APOEL. Nélson não estranha quando o insultam por ser negro. Ambos asseguram, todavia, que jamais foram ameaçados fora das partidas.
O futebol em Chipre, explica Christos Demetriou, é por vezes mais factor de divisão do que de união. "Há famílias com adeptos de uma e outra equipa que se separam à entrada dos estádios, tratando-se como inimigos durante os 90 minutos do jogo. Os que perdem choram, e não esperem ser consolados pelos que ganham e celebram." Indiferentes às rivalidades locais, os portugueses parecem constituir uma espécie de confraria. Nélson Veiga, que era do Naval 1.º de Maio, confirma que Ricardo Fernandes abriu as portas às mais de duas dezenas de atletas lusos actualmente instalados num país com menos de 900 mil habitantes. Quando o craque do APOEL chegou, o futebol português já tinha grande projecção internacional, graças a Figo e a Cristiano Ronaldo, mas também ao Euro 2004, que os gregos ganharam (bateram os rapazes de Scolari no primeiro e último jogos), extasiando os cipriotas.
"Em Portugal, os clubes estão agora sujeitos a uma maior pressão fiscal e a uma grave crise financeira", lamenta Nélson. "As empresas patrocinadoras desinvestem e os jogadores procuram alternativas. Aqui, pelo contrário, os salários são melhores, tendo em conta que a qualidade do futebol que se pratica ainda é inferior. E, com a entrada de Chipre na União Europeia, o mercado abriu-se completamente aos portugueses."
Ricardo e Nélson revelam que tencionam terminar as carreiras em Chipre. O primeiro quer jogar "mais cinco ou seis anos", e depois decidirá o que fazer. O segundo pretende sair de cena aos 35 anos e dedicar-se à selecção de Cabo Verde da qual tem sido titular. Torrão, com mais um ano de contrato, prefere concentrar-se no presente.

O PÚBLICO viajou a conviteda Embaixada de Chipre em Lisboa

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