O Fiat 500 do século XXI
A Fábrica Italiana de Automóveis de Turim (Fiat) fez a reedição de um automóvel, pequeno no tamanho, mas enorme nas memórias que proporcionou a muitos italianos. Cá, o novo brinquedo chegará em Janeiro e poderá custar 14 mil euros no modelo mais acessível
a No dia 4, a Fiat realizou - confirmam-no os mais velhos - a mais espectacular apresentação de um automóvel alguma vez vista. O caso não era para menos: os italianos veneram mais o velho Fiat 500 do que os portugueses gostam de Cristiano Ronaldo. Era, por isso, obrigatório estar à altura deste ícone nacional apreciado além fronteiras. O Fiat 500 original fora lançado exactamente 50 anos antes, no dia 4 de Julho de 1957. E a paixão promete perdurar depois de ter surgido, em apoteose, um sucessor que lhe presta um tributo estético evidente."O 500 foi o primeiro carro que conduzimos, o que levámos na primeira vez que fomos à praia e na primeira vez que fomos para um lugar escuro com a namorada", disse Luca De Meo, presidente executivo da Fiat Automobiles. O seu sucessor, o 500 novo, "é o carro mais bonito da Fiat" e significa "o novo arranque" da marca, defendeu Sergio Marchionne, o colega do Grupo Fiat.
"Esta viatura tem um grande valor simbólico, o de inovar uma tradição originalíssima. Todos os outros automóveis, sobretudo os pequenos, se confundem uns com os outros, mas este é diferente de todos", declarou o primeiro-ministro Romano Prodi, ao jornal La Stampa, quando tomou contacto com o Fiat 500 do século XXI. Mesmo antes de viajar para Lisboa, a fim de participar na ciemeira UE-Brasil, Prodi previu um grande sucesso comercial para o pequeno Fiat.
Segundo o mesmo La Stampa estiveram cerca de 100.000 pessoas a assistir ao espectáculo de lançamento do novo Fiat 500, em Turim, nas margens do rio Pó. A equipa liderada por Marco Balich, considerado o mago da festa olímpica de Turim 2006, cedo começou a deliciar a multidão que se acotovelava nas margens e nas duas pontes do rio Pó, formando uma espécie de estádio gigante. Sobre a água negra e brilhante começaram a deslizar figuras de outras épocas, literalmente, porque pareciam que flutuavam sobre o rio.
Naquela noite ventosa, passaram sobre as águas ciclistas da Volta à Itália que pedalavam com ânimo e, claro, um velho 500 (entre vários) com o treinador ao megafone a proferir palavras de incentivo de um lado e um operador de câmara a filmar do outro. Começava assim o encanto de um espectáculo que durou cerca de uma hora e arrepiou-nos quando uma bela mulher loura, com um longuíssimo vestido escarlate, deslizou sobre o rio.
Ao passar pela passerelle em que se desenrolaria boa parte do show gritou para um homem de fato escuro e camisa branca: "Marcello!" Ele tirou o casaco e mergulhou no Pó, nadando com braçadas vigorosas atrás da diva. Uma (bela) homenagem ao filme La dolce vita, de Fellini e à cena imortal em que Anita Ekberg, nas águas da fonte de Trevi, chama Marcello Mastroianni.
Noutro momento, Marylin Monroe (Claudia Gerini) subiu ao palco para, com voz erótica, cantar Happy Birthday to You. A diferença é que o final não foi o dear president, que a verdadeira Marylin dedicou a John Fitzgerald Kennedy, mas sim o Fiat Cinquencento como impunha a circunstância. Houve muito, muito fogo-de-artifício. Outro momento alto da noite foi quando 60 dançarinos com vestes prateadas se posicionaram de modo a reproduzirem as formas do novo 500, apoiados numa estrutura metálica, que saiu de cena içada por uma grua.
No final do espectáculo as ruas de Turim estavam pejadas de gente que se lançava na noite branca, enquanto na praça Vittorio Veneto estavam expostos cerca de oitocentos exemplares do velho 500, oriundos dos mais vários países. Uns brilhavam pelo estado de conservação, outros pelas transformações que os seus donos lhe tinham feito. Só para se ter uma ideia da dimensão deste fenómeno, o Fiat 500 Club Itália foi fundado em 1984 e possui actualmente mais de 20.000 membros.
Meio século de diferenças
Em Portugal, o modelo mais acessível deverá rondar os 14 mil euros. É claro que o ambicioso novo Fiat 500 que chegará cá no próximo mês de Janeiro pouco ou nada tem a ver com o original que, entre 1957 e 1975, logrou atingir a respeitável marca de 3.893.294 unidades produzidas. O seu motor, a gasolina, de dois cilindros, com 479cc e 13cv de potência, permitia-lhe atingir 85 km/h de velocidade máxima. A colocação do engenho era traseira, assim como a tracção, e a refrigeração conseguia-se graças à deslocação de ar.
Assim descrito, até parece que a primeira versão do Fiat 500 original surgiu há muito tempo (já tinha existido um outro Fiat 500, lançado em 1936, mas esse ficou mais conhecido como Topolino). Bom, em 1957, enquanto o 500 começava a conquistar a mobilidade para os italianos, a humanidade também ia evoluindo na conquista do espaço, com a União Soviética a lançar o Sputnik com a cadela Laika a bordo.
Nesse ano de 1957, o argentino Juan Manuel Fangio ganhou o seu quinto e último título de Fórmula 1, ao volante de um Maserati. Os filmes mais badalados eram Morangos Silvestres, de Bergman, e um Rei em Nova Iorque, com Charlie Chaplin. West Side Story chegava ao palco, nos EUA, com música de Leonard Bernstein e, entretanto, em Roma, Itália, França, República Federal da Alemanha, Bélgica, Holanda e Luxemburgo assinaram o tratado que fundou a Comunidade Económica Europeia.
O velho Fiat 500, criado pelo genial engenheiro Dante Giacosa, era demasiado lento para um mundo que já então começava a mudar depressa? Talvez. Mas, desse modo, os italianos tiveram tempo suficiente para começar a apreciar o carrinho que simbolizou o boom do pós-guerra. Tinha até aquele pormenor de abrir as portas no sentido contrário ao do vento, o que permitia admirar as pernas das mulheres. Um manancial de memórias e capital de simpatia bem presente na memória colectiva italiana, conquistado por um simples carro, pensado para ser económico, barato e combater a supremacia das scooter Vespa e Lambretta que então se começava a fazer sentir.
Será que o novo Fiat 500 também vai ter tempo suficiente para que as pessoas aprendam a gostar realmente dele?