À espera, trajado a rigor
A festa dos touros é uma paixão ibérica que, em Espanha, ganha uma dimensão especial. Os touros são lidados em pontas. O expoente máximo
é protagonizado por matadores. Há centenas de corridas anuais, sempre com as praças repletas. Aqui, estamos em Málaga. Fotografias de Jon Nazca/Reuters
O homem que parece alheio ao perigo é o matador Julian Lopez, vulgarmente conhecido por "El Juli". As marcas no chão da arena mostram que está a tourear no centro, nos médios, em terrenos dos mais difíceis, onde a fuga é mais complicada. É o lugar da verdade, onde a muleta despista a fera. O olhar aparentemente distante do toureiro em relação ao animal é revelador do espírito que se quer da lide: corajoso, com classe, arrojado, quase inconsciente ao perigo.
Não há cidade, vila ou aldeia espanhola que não possua uma praça de touros ou apenas um pequeno redondel. O toureio apeado é soberano em todo o país, onde os picadores também são indispensáveis. Forcados nas praças espanholas só mesmo em alturas especiais, quando as organizações os contratam em Portugal. A tradição portuguesa, enriquecida após a restauração, em 1640, passou por uma espécie de desafio tauromáquico em relação a Espanha: realçar as lides a cavalo, e demonstrar coragem, pondo homens nos cornos dos touros.
E chega a hora da verdade. Homem e touro, bem no centro da arena, travam uma luta mano-a-mano. De um lado são mais de 500 quilos de músculo e pontas afiadas. Do outro, um homem destemido, munido de um capote, que se encosta a um animal bravio e que vai desenhando figuras harmoniosas a cada investida. Tudo sob um respeitoso silêncio, como é habitual em Espanha, onde os espectadores só explodem no final de cada lide, ora aclamando o matador, dando-lhe hipótese de cortar rabo e orelhas, ora permanecendo em silêncio, em sinal de descontentamento.
Os aficionados levam a festa brava a sério. De tal modo que muitos deles, seja por respeito à arte, seja porque não conseguem esquecer o desgosto de nunca terem sido escolhidos para tourear nas arenas, não resistem a envergar os ricos fatos e a pegar nos capotes e nas muletas. Mais do que uma forma de idolatrar toureiros e assumir o gosto pelos touros, é uma forma de preservar tradições, apesar de muito contestadas, sobretudo pelos grupos de defesa do animais.