Pio XII tentou incorporar judeus em força de segurança para os salvar dos nazis
O cardeal Bertone, secretário de Estado do Vaticano, considera Pio XII vítima de "lenda negra" e faz revelações sobre o período da II Guerra Mundial
a A Santa Sé tentou incorporar judeus italianos numa força de segurança do pequeno Estado pontifício, com o objectivo de os salvar da perseguição nazi, em 1943. A revelação foi feita pelo cardeal Tarcisio Bertone, secretário de Estado do Vaticano, durante a apresentação de um novo livro sobre o Papa Pio XII, a quem alguns sectores acusam de anti-semitismo e que Bertone considera vítima de uma "lenda negra". De acordo com o actual "número dois" da hierarquia da Santa Sé, em Outubro de 1943 o Vaticano pediu autorização aos ocupantes alemães de Roma para incorporar 4425 homens na Guarda Palatina, uma força entretanto desactivada. Nessa época, além da Gendarmeria (aproximadamente 150 membros) e da Guarda Suíça (110 elementos), a Santa Sé dispunha de 575 pessoas na Guarda Palatina, com a missão específica de proteger os edifícios do pequeno Estado.
Num discurso disponível no sítio Internet da Zenit, agência oficiosa do Vaticano (www. zenit.org), Bertone socorreu-se de muitos documentos ainda classificados para contar que aquela tentativa visava proteger os judeus. Mas, segundo a Reuters, os alemães e os fascistas italianos queriam que o Vaticano fornecesse os nomes, data de nascimento e raça dos incorporados. "Os nossos disseram que não", afirmou Bertone.
Foi a própria Secretaria de Estado do Vaticano que fez o pedido "à potência que ocupava a Itália", disse Bertone. "O gueto judeu estava a dois passos", afirmou o cardeal. Ainda citado pela Reuters, Bertone disse que os nazis passaram a vigiar mais intensamente o gueto e mil judeus foram enviados para campos de concentração.
Estes elementos levam Bertone a afirmar que "o Papa que guiou a Igreja nos anos terríveis da II Guerra Mundial e da Guerra Fria é vítima de uma "lenda negra"". Uma lenda que apresenta "falsamente o Papa Pacelli [nome de baptismo de Pio XII] como indulgente com o nazismo e insensível à sorte das vítimas da perseguição" e se arrisca a "reduzir todo o pontificado de Pacelli à questão dos supostos "silêncios"".
O secretário de Estado do Vaticano referiu ainda um sector do arquivo do Vaticano ainda não explorado "suficientemente", por se tratar de "milhares de casos pessoais". "A cada um deles, o menor Estado do mundo, neutro em sentido absoluto, escutou individualmente, atendendo a cada voz que pedia ajuda ou audiência. Trata-se de uma documentação imensa, infelizmente ainda não disponível, porque não está ordenada."
Bertone acrescentou que "era clara a directiva dada através da rádio, da imprensa, da diplomacia, pelo Papa Pio XII em 1942": "Não lamentação, mas acção." Como testemunho do que foi feito, estão guardados "inúmeros documentos", onde se incluem também "os protestos ou os "nãos" da Santa Sé perante os pedidos humanitários". Pio XII preferiu "actuar" dentro dos "limites e circunstâncias que lhe foram impostos", defendeu ainda Bertone. Uma opção "testemunhada por muitos judeus de toda a Europa", cujos agradecimentos deveriam ser tornados públicos, admitiu o cardeal.
O livro, do italiano Andrea Tornielli, intitula-se Pio XII, Eugenio Pacelli, um homem no trono de Pedro. A Congregação para a Causa dos Santos, presidida pelo cardeal português José Saraiva Martins, aprovou há um mês a declaração das "virtudes heróicas" do Papa Pio XII, primeiro passo para que este possa ser beatificado.
Já em Janeiro, Bertone defendera que Pio XII deveria ser considerado "como um justo", o título atribuído pelo Memorial do Holocausto, em Israel, aos que ajudaram a salvar judeus - recorda a AFP. A Liga Antidifamação pediu ao Papa Bento XVI que suspenda o processo até à abertura dos arquivos do Vaticano relativos à II Guerra Mundial. E o grande rabino de Roma, Riccardo di Segni, numa declaração prudente à AFP, opôs-se a uma beatificação "a qualquer preço", afirmando que este é um "tema delicado das relações entre judeus e cristãos".
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