30 anos depois, é preciso outra Alternativa Zero?
Um colóquio e uma mostra documental assinalam os trinta anos da Alternativa Zero,
um momento-chave para a arte portuguesa. Foi em 1977, três anos depois do 25 de Abril
a Há quem defenda que, trinta anos depois, estamos a precisar de uma nova Alternativa Zero. É o caso de Nuno Faria, assessor do Serviço de Belas-Artes da Fundação Calouste Gulbenkian e um dos convidados do colóquio com que, entre hoje e sábado, a Fundação Arpad-Szènes-Vieira da Silva assinala os trinta anos de uma das mais polémicas e marcantes exposições de arte contemporânea do Portugal pós-revolucionário.Em 1977 e apenas três anos após o 25 de Abril, Ernesto de Sousa, poeta, crítico, historiador e artista, procurou fazer um levantamento das manifestações do conceptualismo em Portugal, assumindo, ao mesmo tempo, uma visão prospectiva e questionante do meio das artes plásticas nacional. O resultado foi Alternativa Zero - Tendências Polémicas da Arte Contemporânea Portuguesa, um título que assumia desde logo a ideia de uma ruptura.
Perante a desconfiança de críticos e curadores como José-Augusto França, Rui Mário Gonçalves ou Rocha de Sousa, nomes como Alberto Carneiro, Ernesto Melo e Castro, Noronha da Costa, Graça Pereira Coutinho, Ana Hatherly, Álvaro Lapa, Clara Menéres, Albuquerque Mendes, Leonel Moura, Jorge Peixinho, Jorge Pinheiro, Vítor Pomar, Ana Vieira, António Sena, Ângelo de Sousa, João Vieira, Pires Vieira ou Palolo surgiam reunidos numa mostra que lançaria ainda nomes como Julião Sarmento, Fernando Calhau e Helena Almeida.
O documentário
Uma década sobre a exposição Perspectiva: Alternativa Zero, que o Museu de Serralves organizou em 1997, Paulo Pires do Vale, professor de Filosofia na Universidade Católica, apercebeu-se de que no ano em que se comemoram os 30 anos deste momento-chave nenhuma instituição tinha programadas actividades que assinalassem o aniversário. Propôs por isso à Fundação Arpad-Szènes a organização de um ciclo de conferências e debates, a par de uma mostra documental da qual fazem parte, entre outros materiais, um filme montado por Paulo Abreu a partir de registos de época até hoje inéditos.
AZ, o título deste filme-documentário, inclui imagens de preparação e montagem da exposição e algumas das performances apresentadas - imagens, entre outras, de Alberto Carneiro a montar Uma Florestas Para o teus Sonhos e de Clara Menéres a instalar a escultura do seu tronco de mulher em relva Mulher Terra Vida, mas também Ernesto de Sousa em conversa com artistas como Julião Sarmento e João Vieira.
O objectivo, diz o organizador, "não é mitificar a Alternativa Zero": "Trata-se de procurar uma interrogação que nos interesse hoje."
O primeiro debate, apresentado e moderado pelo crítico Delfim Sardo (hoje às 19h30), anda, precisamente, à volta de uma pergunta: "Que Alternativa?" Entre outras intervenções, Luís Serpa, um dos mais relevantes galeristas portugueses das décadas de 80 e 90 - com a sua galeria Cómicos, representaria nomes da Alternativa Zero como Julião Sarmento, Fernando Calhau e Leonel Moura - falará sobre as continuidades e rupturas propostas pela exposição de Ernesto de Sousa (amanhã às 18h).
Nuno Faria faz parte de um painel de nomes mais jovens - com a crítica de fotografia Margarida Medeiros e um dos curadores do Museu de Serralves, Ricardo Nicolau - em que o pioneirismo de Ernesto de Sousa (1921-1988) é analisado nas suas três facetas fundamentais: a de artista, a de crítico e a de curador.
Ernesto de Sousa, diz Nuno Faria, introduziu várias rupturas, entre elas na maneira de trabalhar com os artistas em grande proximidade.
"À época", recorda Nuno Faria, "havia um conjunto de críticos cuja acção alargada incluía a programação de vários espaços mas que tinham um trabalho com os artistas mais distanciado, funcionando mais como analistas das obras do que como cúmplices". Ernesto de Sousa surge como "alguém que com a sua própria energia e ideias problematiza o que eles faziam".
Investindo grande parte da sua vida a viajar, numa altura em que o país era ainda muito fechado, Ernesto de Sousa trazia consigo e partilhava novos procedimentos e materiais. Nuno Faria admira particularmente "uma ideia de partilha muito generosa" e o debate que estes gestos promoviam: "Criava uma dinâmica em que me revejo e em que acho que se revê toda a gente a trabalhar hoje. Interessa-me essa força motriz de ruptura e confronto com um certo poder instituído, com um certo modo de fazer ou não fazer."
Para Nuno Faria, num momento em que mais informações do que nunca entram no país, sente-se uma paradoxal vontade de partir, uma terrível falta de debate: "Acho que seria preciso uma nova Alternativa Zero."
O programa completo do colóquio está online no site da Fundação Arpad-Szènes (www.fasvs.pt).