A moda das adegas desenhadas por arquitectos famosos

O Douro já aderiu à renovação da arquitectura rural. A moda começou
nos Estados Unidos e está em força em Espanha e em França

a A Adega Mayor de Siza Vieira em Campo Maior não é o primeiro projecto com assinatura no território normalmente tradicionalista dos vinhos. Nem sequer é o primeiro projecto de Siza, que já em 2001 tinha concebido uma outra adega, totalmente diferente daquela, para a Quinta do Portal, no Douro, mas que só agora está a ser construída. Talvez seja ainda cedo para falar de um efectivo movimento de renovação da arquitectura no espaço rural. Mas a crescente consciência que os produtores de vinho, nas diferentes regiões do país, têm das potencialidades económicas e também turísticas do sector está a fazer introduzir marcas de modernidade na paisagem do interior.
Estamos, é claro, muito longe da dimensão que o fenómeno já adquiriu em Espanha ou em França, onde nestes primeiros anos do novo milénio se vêm multiplicando os projectos de adegas e outras instalações associadas à cultura do vinho e ao enoturismo assinadas por grandes estrelas da arquitectura mundial.
Mas, nota o crítico de arquitectura Ricardo Carvalho, o projecto que marcou a grande viragem neste domínio em termos globais foi o complexo Dominus (1995-98), que a dupla suíça Herzog & De Meuron desenharam para o Napa Valley, na Califórnia, a mais importante região vinícola dos EUA. Grande adega para vinificação e armazenamento, mas também espaço para escritórios e outras funcionalidades, o Dominus é uma volumosa estrutura que dialoga com a paisagem por via do seu revestimento em basalto com gradação de cores entre o preto e o verde e das paredes feitas com blocos de granito encerrados em gabiões de ferro.
Já em Espanha, quem recentemente mais mediatizou a entrada da grande arquitectura neste território foi o hotel que Frank O. Gehry desenhou para o grupo Marquês de Riscal, em Elciego, na Rioja, uma das principais regiões vinícolas do país. O edifício tem o risco inimitável do arquitecto canadiano do Guggenheim de Bilbau, com as suas superfícies onduladas de titânio, apresentando-se, como o próprio Gehry o descreveu ao El País, "como a melena de um animal poderoso" erigida no meio dos vinhedos.
Na mesma região da Rioja, o Museu da Cultura do Vinho, construído pela fundação Dinastia Vivanco e que o El País (ver suplemento Extra Vinos, de 22/04/07) apresenta como "o museu vinícola mais completo da Europa", tornou-se também uma referência e um pólo de atracção turística. As adegas Isios, também na Rioja, desenhada por Santiago Calatrava, e, em Navarra, as Julián Chivite e Viña Magaña, ambas de Rafael Moneo, são outros exemplos da aposta na assinatura de arquitectos espanhóis de renome mundial como forma suplementar de internacionalização do mercado vinícola. O referido trabalho no El País referia, a propósito, que só na região da Rioja o enturismo tem atraído mais de dois milhões de visitantes por ano.
Em França, a Cité Mondiale du Vin, em Bordéus, do arquitecto Michel Pétuaud-Létang, que acolhe a importante exposição bienal do sector, é também um exemplo de arquitectura contemporânea que com a sua estrutura em vidro abre novas janelas numa região com o simbolismo que todos conhecem para a cultura europeia e mundial do vinho.
O Douro na linha da frente
João Branco, proprietário da Quinta do Portal, onde está já finalmente em construção a nova adega de Siza Vieira, assume que "o marketing proporcionado pela apresentação de obra feita por nomes consagrados da arquitectura" tem um efeito de mais-valia no apelo aos turistas. E há também "a garantia de que os edifícios são bem desenhados e são funcionais", como é o caso da adega do Portal, que deverá ficar concluída em Setembro. Respondendo à necessária adequação ao lugar, Siza elegeu o xisto e a cortiça como materiais de revestimento da estrutura de betão e aço, em diálogo com um relvado circundante. A estrutura distribuída por quatro pisos interligados por um sistema de escadas contém um foyer, um auditório e uma sala de provas, além das valências mais conformes às funções tradicionais de uma adega.
O proprietário da Quinta do Portal reivindica para o Douro "a linha da frente" na renovação da imagem e das práticas no enoturismo. E a arquitectura é apenas a parte mais visível, e mediática, de uma aposta que tem por base a introdução das tecnologias mais modernas nos processos de vinificação.
Quem também já tem obra no Douro é o arquitecto António Leitão Barbosa, que venceu o Prémio Arquitectura Douro 2006, em Fevereiro último, com o projecto de uma adega na Quinta da Touriga Chã, em Vila Nova de Foz Côa. Este arquitecto, ainda da família de José António Rosas (o mítico criador da Quinta da Ervamoira), desenhou esta adega depois de ter estagiado em Madrid e de aí ter contactado com o projecto de Rafael Moneo para Chivite. Concebeu-a num "diálogo com o território" em duas naves paralelas de xisto e ferro, "mas desalinhadas como se deslizassem uma sobre a outra". Mas também como "um edifício multifuncional", que para além do serviço ao ciclo do vinho pode vir a ser galeria de arte, sala de concertos, etc...
O arquitecto está já a projectar uma nova adega para uma quinta de Provezende, ainda no Douro, e vê também esta região como "a mais dinâmica" neste movimento de fazer casar "um produto de excepção", como o é o vinho do Porto, e toda a poética que lhe está associado com a nova arquitectura.
Quem está igualmente a desenhar três novas adegas são os arquitectos João Pedro Serôdio e Isabel Furtado, duas também no Douro (Pintas e Quinta do Fojo, no Pinhão) e a terceira para a de Chocapalha, em Alenquer. Serôdio não crê que isto seja a expressão de "uma moda". É tão-só a constatação de que os promotores das novas construções "estão mais atentos à importância que uma arquitectura mais cuidada e criteriosa pode ter também para a promoção turística das suas quintas e dos seus produtos".
Em conclusão, nota Ricardo Carvalho, "a nova arquitectura está finalmente a entrar num território que era até aqui um dos bastiões do maior conservadorismo" nos domínios da edificação.

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