30 anos depois, La Féria mostra o seu Jesus Cristo Superstar
Filipe La Féria estreia hoje uma nova superprodução. Um Jesus Cristo Superstar
em "época de guerras santas"
a A música comanda a atmosfera da sala. O profano e o sagrado combinam-se nos cenários e gestos dos personagens. Jesus usa sandálias, Judas usa Doc Martins.Filipe La Féria, produtor e encenador, dá largas à exuberância. Hoje estreia, no Rivoli do Porto, a primeira versão portuguesa do célebre musical de Andrew Loyd Webber e Tim Rice, Jesus Christ Superstar. E promete ficar na cidade durante os próximos oito meses.
Os últimos dias da vida de vida de Jesus Cristo são o contexto que está na génese e que determina a narrativa do musical. E a história é contada a partir do olhar de Judas Escariotes, o homem que, insatisfeito com as afirmações de divindade de Jesus, perpetua o protótipo de traidor com um beijo que o entrega aos governadores romanos de Jerusalém. A acção percorre os evangelhos bíblicos com cenas desde a chegada a Jerusalém à cena da Crucificação.
Nesta versão portuguesa, La Féria recebeu dos autores "liberdade para fazer uma produção original", diz o encenador português, que tem a seu cargo a encenação, direcção de actores, cenários e figurinos. "O cenário abraça todo o público, que é cúmplice da acção; o público também irá julgar Cristo". São cerca de 50 os intérpretes, entre Jesus, Judas e demais apóstolos, Maria Madalena, Pôncio Pilatos, bailarinos, figurantes e músicos. A sua acção preenche o palco e uma estrutura de metal de três andares (que envolve de facto o público), numa grande produção que teve um investimento total de dois milhões e quinhentos mil euros.
O espectáculo, que teve a estreia adiada duas vezes, sofreu atrasos na espera de equipamentos de tecnologia de som e luz. La Féria diz que, apesar da sua reconversão ter acontecido há relativamente pouco tempo, o Rivoli não estava preparado para acolher uma produção com a dimensão de Jesus Cristo Superstar. "Houve um grande investimento da minha parte, o Rivoli estava obsoleto e o equipamento reduzido a uma máquina de som amadora".
Em tom gospel pop-rock, irão ser apresentadas versões de êxitos que ultrapassaram as fronteiras do palco como a balada I Don"t Know How To Love Him, interpretada por Maria Madalena. Ou a introdução para o Superstar, do musical que desde a sua primeira apresentação teatral na Broadway já percorreu o West End londrino e foi recriado em salas de espectáculo pelo mundo, desde a Austrália ao Japão, Brasil, México ou Espanha.
A descoberta, em 1970
O elenco português é preenchido por músicos e artistas maioritariamente do norte, cuja formação passou por escolas de Nova Iorque e Londres, pelo Conservatório de Música do Porto e Escola Superior de Música e Artes de Espectáculo. O papel de Jesus Cristo é interpretado por Gonçalo Salgueiro, que traz na bagagem a experiência de trabalhar com La Féria no musical Amália e a gravação de dois discos a solo. Em contraposição estará Pedro Bargado, na pele de Judas, que faz composição e interpretação de temas para peças de teatro e programas de televisão e é autor de temas de bandas sonoras de telenovelas. Laura Rodrigues e Sara Lima são, alternadamente, Maria Madalena. O encenador faz um elogio entusiasmado do elenco de actores, a "revelação de jovens com grande preparação para um espectáculo musical muito exigente", escolhidos após três audições que envolveram mais de 400 candidatos, conta.
A aventura começou após o convite da Comissão Instaladora do Rivoli, tutelada pela Câmara do Porto, a Filipe La Féria para levar a cena o musical, mas o fascínio de Jesus Christ Superstar vem de trás. "Lembro-me de ter visto a peça nos anos 70 em Londres, era a época dos hippies. Foi a primeira vez que Cristo foi apresentado de forma humana e social (num ambiente marcado pelo Maio de 68 e pela figura de Che Guevara). Pela primeira vez foi apresentado de forma libertária", recorda La Féria.
Mas mudam-se os tempos, mudam-se os cenários e as marcas ideológicas e políticas. "Eu acho que olhar hoje de novo para Cristo numa época de guerras santas, com uma nova Roma, será de uma forma oposta à dos anos 70; estética e filosoficamente é o oposto da encenação clássica."
Os espectáculos estão em cena de terça a domingo, com um preço que vai dos 10 aos 35 euros. Falta ver se a adesão do público se equipara a outros espectáculos dirigidos por Filipe La Féria como Amália, que ficou em cena seis anos, ou Música no Coração, que continua a ter casa cheia nove meses após a sua estreia. Em causa não está apenas saber que lugar vai ocupar este musical no ranking dos espectáculos produzidos e encenados por Filipe Lá Féria. O produtor só aceitará o contrato proposto pela Câmara do Porto para gerir o Rivoli se Jesus Cristo provar que no Norte há público suficiente para rentabilizar os pesados investimentos das suas superproduções.