Portugal e a PESD: um caso de voluntarismo político
Não haverá uma discrepância entre o nível de ambição política de Portugal e o seu nível de capacidade operacional real?
Desde que a Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD) da União Europeia ganhou expressão operacional em 2003, a participação portuguesa na dinâmica europeia de gestão de crises tem sido marcada por uma dispersão geográfica que, não raro, se afigura excessiva para um país que, de pequena dimensão e periférico, se debate com uma crónica escassez de recursos materiais. É mais ou menos abertamente reconhecido que o principal móbil do voluntarismo político que tipifica tal participação reside na vontade de pertencer aos "círculos avançados de integração" no domínio da segurança/defesa europeia. Na perspectiva das autoridades nacionais, parece ser importante suscitar nos parceiros europeus a convicção de que Portugal não padece de uma espécie de "lusofonocentrismo" egotista ao concentrar a sua atenção em países como a Guiné-Bissau ou Timor-Leste.
Existe, no entanto, um cálculo político e incontestável pragmatismo subjacente ao racional que norteia o papel que Portugal tem procurado desempenhar no âmbito da PESD. No contexto desta política comum, as operações de pendor militar e civil - e, em especial, as missões implementadas no domínio da reforma do sector da segurança - assumem uma importância singular pelo potencial que encerram como instrumentos facilitadores da estabilização dos países que integram a África lusófona. No ano transacto, a participação do Estado português em três operações que tiveram lugar na República Democrática do Congo deve ser entendida sob essa luz. A estabilidade nesse país africano é considerada crucial para a estabilização de um quadrante regional, no qual Angola se inscreve. Ora, é sabido que a consolidação da estabilidade em Angola tem o potencial para reforçar o estreitamento das relações político-diplomáticas luso-angolanas, algo que tende a engendrar novas oportunidades económicas que interessam ao nosso país.
A EUSEC Congo, ao testar o papel da UE no sector da reforma da segurança, deverá ser monitorizada de perto por Portugal com os olhos postos na possibilidade de uma futura intervenção do género na Guiné-Bissau. Com efeito, a reforma do sector de segurança poderá tornar-se, entre outros, num instrumento ao serviço do saneamento das instituições públicas daquela ex-colónia e, em última análise, da expiação do que resta de um sentimento de culpa histórica pela fragilidade política e subdesenvolvimento económico endémicos que afligem o Estado e a sociedade guineenses.
A participação de Portugal nas operações conduzidas no âmbito da PESD reveste-se também de significado estratégico porquanto aquelas funcionam como catalisadores da modernização das Forças Armadas nacionais ao contribuírem para o processo de interiorização do credo internacional em termos de requisitos de forças ("deployable, interoperable and sustainable"), para além de propiciarem uma continuada exposição a novas doutrinas e avanços tecnológicos.
Não obstante, impõe-se aos responsáveis pela gestão da política externa terem presentes as limitações internas e hierarquizarem as prioridades nacionais no caso vertente. Assumidamente, África e Timor-Leste, em termos geográficos, e a participação em missões de natureza mista ou civil (cujos custos são total ou parcialmente cobertos pelo orçamento atribuído à PESD), em termos da natureza das missões, deverão figurar como prioridades. Também seria proveitoso colher todas as mais-valias possíveis do empenhamento de recursos humanos com experiência internacional encontrando-se fórmulas que lhes permitam actuar em postos-chave no quadro das missões europeias. Com efeito, dado o crescendo de importância das missões policiais europeias, as autoridades confrontam-se com a necessidade de reavaliar o modelo de engajamento nacional e dos seus dividendos. Neste contexto, as direcções nacionais da PSP e da GNR poderão seguir o exemplo já adoptado por outros Estados-membros que promovem os seus agentes policiais para a participação em missões internacionais, de modo a garantir a sua colocação em posições operacionais de relevo.
São bem conhecidas por quem lida com a frente operacional da participação portuguesa na PESD as enormes dificuldades causadas pela clássica combinação entre exíguos orçamentos de defesa e um persistente atraso tecnológico. É indisputável que existe interesse e necessidade, para além de vontade política, em "exibir a bandeira" na gestão europeia de crises. Contudo, o país denuncia já falta de capacidade para sustentar a demanda europeia, que tenderá a aumentar no futuro, ao passo que enfrenta múltiplos constrangimentos que recomendam a sua participação em teatros de operações limitados, como as missões humanitárias e de manutenção da paz.
Posto isto, parece pertinente suscitar algumas interrogações no sentido de revigorar uma reflexão sobre a participação nacional na PESD, nas vésperas da terceira presidência europeia. Não estará Portugal a replicar, agora no contexto da UE, uma clarividente discrepância entre o seu nível de ambição política e nível de capacidade operacional real, tradicionalmente diagnosticada pelos seus Aliados no contexto da OTAN? Numa altura em se banalizou a utilização de metáforas importadas do universo futebolístico na análise de fenómenos políticos, não será Portugal uma equipa da segunda divisão a tentar competir na Primeira Liga?