Nas traseiras dos Tesourinhos Deprimentes
O último episódio de Diz que
É Uma Espécie De Magazine vai
hoje para o ar. O PÚBLICO esteve
nos bastidores da operação
a Já a noite vai longa quando a assessora de imprensa da RTP chama os jornalistas e informa que Nuno Santos, o director de programas do canal estatal, vai dar uma espécie de conferência de imprensa improvisada num corredor da Aula Magna. Os Da Weasel estão em palco numa barulheira infernal, mas avança-se para o diálogo. Santos atira: "Hoje ninguém acha isto estranho, mas se andarmos para trás um ano e meio, era muito difícil dizer que isto hoje estaria a acontecer". O "isto" a que Santos se refere é isto: é noite de terça-feira e desde as três e picos que os Gato Fedorento estão na Aula Magna a ensaiar e gravar o último episódio da, em princípio, penúltima série de Diz Que É Uma Espécie De Magazine. O que os jornalistas queriam saber era o que aconteceria a seguir entre os Gato e a RTP. Esta que hoje encerra é a terceira de quatro épocas (de 13 semanas cada) contratualizadas entre as duas partes, mas Santos disse apenas que "é provável o regresso a meio de Setembro com o Magazine, com algumas alterações", embora avançasse que não se exclui "preparar outras coisas."
No entanto, o mais importante, para Santos, estava dito: "Prefiro olhar para o que está a acontecer neste momento não como ponto de chegada mas como ponto intermédio do seu impacto mediático". O que interessava era deixar bem notório que com a RTP aquela Aula Magna cheia não era o topo, mas sim apenas uma parte do caminho.
O caminho iniciara-se às 15h30 para os quatro membros do Gato. Sentados no palco repetiam falas, ensaiavam os momentos em que deviam falar antes e depois de uma VT [basicamente: uma cassete com imagens vídeo pré-gravadas], que na Aula Magna foram projectadas em dois ecrãs gigantes que ladeavam o palco. Mesmo não se tratando de um directo cada pormenor era revisto vez após vez, cada entrada em palco de um convidado era ensaiada com a ajuda de um membro da equipa técnica.
O programa que hoje vão ver é uma espécie de best-off dos já famosos Tesourinhos Deprimentes, uma rubrica regular no programa dos Gato. Os convidados (as vítimas dos Tesourinhos) são Rita Salema, Luís Pereira de Sousa, Luís Horta, Carlos Ribeiro, Humberto Bernardo, Pedro Luís Castro. Depois ainda há os convidados musicais: David Fonseca, Xutos, Tiago Bettencourt, Da Weasel e um senhor relativamente desconhecido chamado Jorge Ganhão. Quando a noite já ia alta e as gravações se aproximavam do fim, Ana Torres, a produtora confessava finalmente o segredo dos Tesourinhos: "Houve horas e horas nos arquivos. Inicialmente iam os quatro, depois já iam dois a dois ou sozinhos. Tínhamos dicas dos próprios apresentadores, de pessoal da RTP, etc".
Como é que são os Gato a trabalhar? Tudo lhes serve de mote para mandar uma piada, estão constantemente a desconstruir a sua própria imagem e a da suposta seriedade da tarefa que lhes cabe. Quando, no ensaio, lhes explicam que a rubrica do "Nigga" (que servirá para introduzir os Da Weasel) tem de durar no máximo 15 segundos o seguinte diálogo segue-se, vindo da boca deles:
"Pode ser 13?"
"14, o ideal era 14"
"Eu gosto de 12".
California Dreamin
Para descomprimir cantam. Têm uma versão de California Dreamin dos The Mamas and The Papas, que aborda de forma (chamemos) comovente a sodomia a um elemento do grupo. Fora disso, protegem-se: RAP (Ricardo Araújo Pereira) pode falar da polémica com Pacheco Pereira acerca do cartaz do Marquês, ou da recente polémica com o DN sobre o suposto plágio do genérico do programa (que os Gato tinham, em conferência de imprensa, assinalado onde se haviam baseado), mas admite que recusa "todos os convites para sessões de fotografia" das revistas cor-de-rosa. Gostam de manter a intimidade separada, mas não só: também usam o humor como forma de distância face a quem lhes surge pela frente.
Quintela implica com o cliché da expressão "recta final" : "Os nossos programas nunca entram na "recta final". Estampam-se antes". Góis brinca com a imagem de Rita Salema ("Atenção, pessoal, "tou já a avisar que a Rita Salema deve dar só um beijinho") e pouco depois (já passa das 17h30) o ensaio está acabado. É hora de descer ao piso inferior, onde estão instalado os camarins e uma espécie de zona de convívio.
É aí que começa a faceta social dos Gato: uma rapariga do programa do social da RTP, Só Visto, segue-os para todo o lado. RAP, apontando para o catering, diminui a grandeza do quarteto, como é seu hábito: "Nós nunca temos nada disto, mas como hoje há bandas de rock"n"roll..." Mais tarde Tiago Dores diria: "Somos os primeiros a desmistificar o que fazemos". "Mas", acrescentava, "também funciona como forma expormos aquilo que não é suposto expormos". Isto é: o humor serve-lhes de forma de protecção.
Tiago, que precisava de um Fenistil, é o menos à vontade dos quatro: torce os dedos, enrola e desenrola as mãos uma na outra, olha para o lado, para cima, para baixo. Ao início da noite, já depois das bandas ensaiarem e de haver um corte de luz, os convidados, que eles ainda não conhecem pessoalmente, começam a chegar. O RAP que falava abertamente da polémica com o DN tinha de se multiplicar em apertos de mão, secundado por Quintela. Góis tenta passar despercebido.
ZDQ aproxima-se de Salema e a primeira frase que diz é "Estás óptima". Ela explica-nos que gostou a 80% do sketch que eles lhe fizeram, e teria gostado mais se não fosse sobre ela. Na gravação, dirá que gostou "a 99% e teria gostado a 100% se não fosse sobre mim". Dores explica então a Salema as perguntas que lhe vão fazer.
Salema conta que foi a filha que lhe falou do tesourinho deprimente: "Aquilo era muito mau e eu era muito má a fazê-lo". Na gravação repetirá esta exacta frase.
Serenella Andrade vem dizer-lhes que já está tudo cheio lá fora.
ZDQ: "Então o melhor é anunciarmos o cancelamento".
Chega Humberto Bernardo, RAP anda à procura de Salema, Serenella dá muitos beijinhos à menina do Só Visto que entretanto também voltou.
Pela zona de convívio (quatro sofás de quatro lugares cada, dispostos em quadrado) passam estrelas da tv, da música, mas também as bailarinas que irão actuar com os Xutos numa versão nova do genérico do programa. Uma delas conta que já trabalhou no Casino Estoril e com Mikael Carreira. Tem um top preto minúsculo com pendentes e botas vermelhas altas, de bico e com relevos e está sentada num dos sofás da sala, com uma colega, que come ananás e presunto retirados de uma das duas mesas de catering.
A dançarina que come presunto chama-se Tiffany, tem 25 anos, já esteve na Companhia Nacional de Bailado e já dançou com os Da Weasel. Conta que "a partir do momento em que arranjamos contactos, em que conhecemos um coreógrafo, chamam-nos. Às vezes há audições, mas normalmente é por contactos". Nasceu na Holanda mas mora em Lisboa e diz que, se se tiver cuidado, a carreira de bailarina "pode durar até aos 25 anos".
O realizador Teotónio explica o que se passa: "Nós tínhamos prometido no genérico gajas boas, nem sequer tivemos gajas, mas agora vamos ter gajas boas e uma surpresa". A surpresa é uma mão cheia de strippers que terão de descer os corredores da Aula Magna e invadir o palco no fim da emissão. Quem as encontrou foi Ana Torres que teve o cuidado de fazer as strippers chegar mais tarde que os restantes participantes, para evitar confusões. Quase conseguiu.
"Gajas hoje não vão faltar"
Góis conta-nos que ainda não jantou: são 22h20. Ainda não começou nada e a sala já está cheia. Carlos Ribeiro está sempre à conversa com Luís Pereira de Sousa. Carlão, dos Da Weasel, surge de calções e chinelas e põe-se conversa com Carlos Ribeiro e Luís Pereira de Sousa. Só quase às 22h30 é que ZDQ explica aos Da Weasel como é que será a entrada em palco. "Gajas hoje não vão faltar. É melhor irem para a plateia", diz-lhes.
Às 22h40, com toda a sala cheia, sobe finalmente ao palco o assistente de realização. Atrás do palco as bailarinas ensaiam passos, e quando a russa faz a esparregata com uns calções mínimos os rapazes das bandas, os roadies, os técnicos de som e de luz, todos se voltam para ela, como se tivessem comichão. Outras dançarinas apoiam-se mutuamente: "Oh, linda, "cê "tá fantástica".
Ensaiam-se palmas com o público, para gravar. E voltam a ensaiar. E mais uma vez. O técnico explica-nos que "depois podemos escolher as melhores palmas para introduzir quando quisermos na pós-produção".
Os Gato alheiam-se a um canto, andando às voltas. ZDQ anda para trás e para a frente a balbuciar sozinho. "Não sei porque é que isto não começa", diz. "O público começa a ficar impaciente e isso é maus para nós". RAP chega e volta a usar o humor: "Fui ali dar uma força aos Xutos. São um bocado inexperientes". ZDQ, apontando com o queixo para o palco: "Isto é o que se chama uma má ideia". Depois repete a piada a todas as pessoas que vão passando. Volta a andar sozinho.
Tim tem a camisa aberta e a barriga à mostra. A cerveja começa a pesar. A filha passou o dia inteiro por ali, sentada nos beirais das janelas, a saltitar sem a vigilância do pai. Kalu vai desejar boa sorte às bailarinas.
Depois tudo começa, com o público a reagir aos incitamentos da produtora e do assistente de realização para baterem palmas. Repete-se uma coisa ou outra, mas no geral tudo corre muito bem, embora com a habitual correria nos bastidores para que enquanto algo se passe no palco, já se prepare o próximo convidado ou banda. Junto a uma porta lateral um segurança diz aos Da Weasel: "Vocês ainda tocam a Tás na boa? Aquilo é que é bué da power" (sic). Depois dirá a Tim, dos Xutos, que o conhece desde pequenino. Para as bandas aquilo é uma mini-festa: passaram a noite entre cervejas, a contar histórias de estrada. E quando no final do programa as strippers saem pelo fundo do palco eles correm para lá. "Rock"n"roll" diz alguém. RAP goza com o assunto.
Uma hora depois, por trás do palco, já com a Aula Magna vazia, há um brinde, com pessoal técnico, os quatro Gato, músicos, convidados, meninas que gostariam de ser groupies, famílias.
Ao fundo da escadaria que encima essa sala, três strippers, de perna cruzada nos degraus, assistem a toda aquela movimentação com ar cansado.