Franquelim Pereira Lobo De criminoso maior a inocente
A polícia diz que é um dos maiores traficantes europeus de cocaína. Há sete anos,
um tribunal condenou-o a 25 anos de cadeia, mas há quatro dias outro tribunal, julgando
o mesmo caso, ilibou-o e libertou-o. Esta é a história do comerciante que um dia fugiu à PJ saltando do primeiro andar de um hotel. Por José Bento Amaro (texto) e Daniel Rocha (foto)
a Os poucos minutos que Franquelim Pereira Lobo passou, na segunda-feira, numa sala de audiências do Tribunal da Boa Hora, em Lisboa, alteraram-lhe por completo o destino. Chegou à frente do juiz carregando a incerteza de uma condenação que podia ir até 25 anos de prisão, abandonou a sala ilibado. Entrou rotulado como um dos maiores tubarões europeus do tráfico de droga, saiu do tribunal deitando para trás das costas um passado feito de fugas à polícia, condenações e anos de prisão.Franquelim Pereira Lobo passou do oitenta para o oito. De acusado, passou a acusador. Agora que foi inocentado reclama do Estado uma indemnização pelo tempo que passou na prisão.
Na Boa Hora, na repetição de um julgamento em que fora condenado a 25 anos de prisão - por tráfico de droga e associação criminosa - o colectivo presidido por Nuno Coelho entendeu que as provas apresentadas contra o arguido não tinham consistência. Não foram validadas as escutas telefónicas que anteriormente o conduziram à pena máxima e os testemunhos das mesmas pessoas que anteriormente passaram pelo tribunal foram, agora, considerados frágeis.
Franquelim Pereira Lobo, que viu anulado o primeiro julgamento devido a um erro judicial, por deficiência na sua notificação, abandonou a Boa Hora em direcção à cadeia de Monsanto, agora remodelada e com classificação de alta segurança. Recolheu os seus pertences e terá partido para o Cadaval, de onde é natural. As declarações ficaram a cargo do seu advogado, Vítor Carreto Ribeiro, que considerou a absolvição "lógica" e anunciou a intenção de pedir uma indemnização.
O Ministério Público, que tem agora 15 dias para contestar a sentença, não o deverá fazer, tanto mais que ao longo do julgamento se limitou a pedir justiça.
O pulo do Lobo
A reviravolta na vida de Franquelim Pereira Lobo começa em 1999, quando a Polícia Judiciária o apontava já como um dos maiores traficantes europeus. Lidava, supostamente, com todos os tipos de drogas, mas em especial com cocaína, sendo-lhe apontados grandes conhecimentos nos cartéis colombianos e no Brasil, junto dos distribuidores que se encarregam de fazer chegar o estupefaciente à Europa.
Para trás estava uma folha de cadastro que incluía crimes diversos, desde burlas a assaltos à mão armada a ourivesarias. Deixara de ser operário e lançara-se por conta própria nos negócios: bares nocturnos, comércio alimentar, imobiliário.
As suspeitas sobre a proveniência do dinheiro que sustentavam a sua actividade comercial sempre existiram. Os investigadores da Polícia Judiciária que o seguiram anos a fio sempre apontaram o tráfico de cocaína como principal fonte de rendimentos.
A teia policial tecida em seu redor (e de outros suspeitos entretanto também condenados por tráfico) acabou por conduzir à sua detenção.
Criam-se na polícia grandes expectativas de desmantelamento de importantes organizações de narcotráfico que tinham Portugal como placa giratória para a Europa. Franquelim Pereira Lobo é uma peça fundamental da investigação e fica instalado num hotel da Avenida Duque de Loulé, com dois agentes encarregues da sua vigilância.
A meio da noite, sem que ainda se conheçam os contornos, salta do primeiro andar do hotel, a poucos metros do edifício da Direcção Central de Investigação ao Tráfico de Estupefacientes (DCITE), e desaparece.
A fuga, denominada "O pulo do Lobo", ainda hoje está a ser investigada.
Quatro anos em fuga
Passam quatro anos até Franquelim Pereira Lobo voltar a ser detido. A 24 de Abril de 2004, em Fuenjirola, no Sul de Espanha, a PJ e as autoridades espanholas montam a operação "Toca do Lobo".
Como tem um processo pendente no Tribunal de Sesimbra (por tráfico) e porque, já nessa ocasião era considerado perigoso, estando quase sempre acompanhado de pessoas que a polícia considera violentas, a sua extradição reveste-se de inúmeras cautelas. Só chega a Portugal, de automóvel, em Junho de 2004.
No tribunal de Sesimbra é contemplado com o que, na gíria criminal, se designa como "sino grande": uma condenação maior. Neste caso a pena máxima - 25 anos. Mas a sua defesa, tendo conhecimento de um erro processual, faz um pedido de habeas corpus, que é aceite.
Franquelim, também conhecido, entre outros, por Abreu, Fininho e Artista, volta a desaparecer, apesar de ainda ter mais um mandado de captura.
É preciso esperar até ao ano seguinte para voltar a ser detectado. Após inúmeras vigilâncias a familiares e a pessoas próximas, a Judiciária consegue localizá-lo no Brasil.
Será do outro lado do Atlântico que continua, dizem os investigadores da PJ, a liderar uma rede de narcotráfico poderosa. Tão poderosa que estará mesmo na origem da criação de um império imobiliário em Espanha. Em Mijas, próximo de Málaga, a sua filha, um contabilista português e um advogado espanhol, de Marbella, gerem um aldeamento turístico de luxo com 132 apartamentos e avaliado em mais de 42 milhões de euros. Esse dinheiro, dizem os espanhóis, será fruto do narcotráfico.
A filha e os dois homens que o acompanham acabam por ser detidos e acusados de branqueamento de capitais. O vasto património imobiliário, propriedade de Franquelim Pereira Lobo, é arrestado.
Agora, com a justiça portuguesa a dizer que o suspeito afinal não traficava droga, este poderia usar esse argumento para, junto das autoridades espanholas, provar a sua inocência no processo de branqueamento de capitais. Existe, no entanto, um poderoso handicap na sua defesa. É que Pereira Lobo já tem cadastro nesse país. Foi em Madrid que a polícia, depois de lhe pedir a identificação, lhe detectou um bilhete de identidade falso, com o nome de Francisco José Caldeira Arraia. Tal crime, parecendo irrisório, é só por si suficiente para validar o processo de branqueamento do aldeamento de Mijas.
Em Março de 2005, a PJ prepara outra grande operação para recapturar Franquelim Pereira Lobo. Diversos contactos com a polícia brasileira levam à sua localização numa pequena localidade do Estado de Goiás. É seguido de perto por inspectores da DCITE que então já tinham viajado para o Brasil. A proximidade entre o suspeito e os polícias é tão grande que a operação é designada "Tão longe e tão perto".
Franquelim Pereira Lobo é novamente detido. Os tribunais portugueses aguardam-no para o julgar, mas o processo de extradição é complicado e tem riscos. Só chega a Portugal em Outubro do ano passado. No aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, onde é embarcado, a polícia brasileira, temendo uma operação de resgate do prisioneiro, monta um dispositivo de segurança com dezenas de elementos armados. Muitos passageiros, vendo o aparato, convencem-se da existência de um atentado terrorista.
O resto da história de Fanquelim Pereira Lobo, o homem de 51 anos que só aos 30 foi "fichado" (anotação na folha de cadastro) pela primeira vez pela polícia, foi escrita esta segunda-feira, quando, na Boa Hora, foi inocentado de uma anterior condenação de 25 anos.
Indiferente à guerra surda instalada nos meios judicial e policial devido à sua libertação, Franquelim Pereira Lobo, natural da freguesia da Vermelha, no Cadaval, pode agora voltar à actividade comercial que tem declarada, mas sabe que os seus passos jamais deixarão de ser vigiados pela polícia. Tem, além do mais, um outro problema grave a resolver: o da detenção da filha, em Espanha, quando do arresto do seu empreendimento turístico.