Quarenta anos depois a Guerra dos Seis Dias continua a fazer estragos
A gesta de 1967 foi vivida em Israel como um milagre. Hoje é encarada como um desastre político. Mudou a face do Médio Oriente, mas originou muitas tragédias
a Na manhã de 5 de Junho de 1967, em pouco menos de duas horas, a aviação israelita ganhou a Guerra dos Seis Dias, um conflito que mudou o quadro político do Médio Oriente, a identidade israelita e a identidade árabe. Quarenta anos depois a região vive ainda os efeitos de 1967. Terá sido uma guerra que nenhuma das partes desejou, embora ambas a considerassem inevitável. O Presidente egípcio, Gamal Abdel Nasser, colocara Israel perante um dilema. Deu muitos sinais de querer fazer a guerra, embora tudo indique que pretendia derrotar Israel sem combater ou, em caso limite, forçá-lo a atacar primeiro, numa "agressão" que isolaria Telavive e permitiria aos árabes uma guerra longa de asfixia.
Ao longo de três semanas, a tensão foi crescendo até atingir um nível insuportável. Os Seis Dias deixaram o mundo atónito, a começar por israelitas e árabes. No entanto, há muito que os generais israelitas se preparavam para a eventualidade desta guerra. Dada a desproporção entre a "massa árabe" e o "pequeno Israel" e a falta de profundidade estratégica do seu território, o comando militar israelita, então chefiado por Yitzhak Rabin, concentrou-se na necessidade de um ataque preventivo para neutralizar a moderna aviação egípcia, fornecida e supervisionada pelos soviéticos.
Há anedotas a alimentar a mitologia. A Mossad conseguiu a proeza inaudita de obter, "para estudo", um Mig 21 iraquiano, organizando a deserção do piloto por uma agente, numa história rocambolesca. Os serviços de informação militar conheciam os nomes e rotinas dos pilotos egípcios, e de todos os seus chefes, tal como as suas tácticas de combate. Treinavam exaustivamente as técnicas de voo rasante, para fugir aos radares.
A hora escolhida para o ataque decorre da competência dos seus serviços de informação. Os egípcios começavam a vigilância às quatro da manhã e as tripulações deixavam os aviões às 7h30 para tomar o pequeno-almoço. Em lugar do clássico ataque de madrugada, escolheram as 7h45. Lançaram quase todos os aparelhos em acção - desguarnecendo Israel - e, 45 minutos depois, a aviação egípcia estava praticamente destruída e as pistas inutilizadas. E a guerra decidida.
O êxito israelita, vivido como "milagre", deve-se a muitos factores: superioridade de comando, disciplina, motivação das tropas e informação. O Tsahal - Forças de Defesa Israelitas - saiu da guerra com o prestígio da invencibilidade.
"Comédia de enganos"
Os Seis Dias foram "quase uma comédia de enganos", observou um antigo diplomata israelita. Conhece-se relativamente bem o lado de Israel mas ainda muito mal o lado árabe. Conhece-se, assim, "metade da história".
Dois historiadores israelitas, Isabella Ginor e Gideon Remez, publicaram um livro (Foxbats over Dimona) que atribui aos soviéticos a iniciativa de provocar a guerra com o objectivo de poderem destruir a central nuclear de Dimona. A maioria dos historiadores diz não haver provas. Provada parece a vontade de Moscovo em provocar uma escalada de tensão para reforçar a implantação nos países árabes. Um dos momentos de arranque da crise é a informação passada ao Egipto de que Israel estava a concentrar tropas na fronteira síria para atacar o seu regime pró-soviético.
Nasser foi estimulado por Moscovo mas era prisioneiro da sua própria popularidade nas massas árabes. Líder incontestado, mas em declínio, do nacionalismo pan-árabe, tinha em Israel o melhor instrumento de mobilização. Criou duas situações de casus belli, uma ao fazer entrar tropas no Sinai, como resposta à alegada ameaça à Síria, e depois ao pedir a retirada dos capacetes azuis do Sinai.
É outro momento da "comédia de enganos". Furioso, o secretário-geral da ONU, U Thant, colocou publicamente Nasser perante a alternativa de deixar todos os capacetes azuis ou todos retirar, inclusive os de Sharm el-Sheikh, que garantiam o acesso de Israel ao estreito de Tiran. É o próprio Yitzhak Rabin quem explica que este "erro" de U Thant é o ponto de viragem que torna a guerra inevitável: Nasser não podia perder a face, teve de exigir a retirada total e, a seguir, fechar o estreito a Israel, desencadeando uma engrenagem irreversível. Israel não podia tolerar o bloqueio do porto de Eilat e uma situação de fraqueza de consequências catastróficas.
Catástrofe israelita
A euforia que a dimensão e a "facilidade" do triunfo militar criou em Israel vai conduzir a uma derrota diplomática e a um desastre político. O Tsahal não fez a guerra para conquistar territórios mas para destruir o exército egípcio. Tudo muda ainda antes do cessar-fogo. Há uma imediata pergunta: onde parar? E depois: que fazer com os territórios ocupados e quase um milhão de palestinianos?
São evocados logo nesses dias os argumentos de hoje, em favor da ocupação ou da retirada. Há consciência do risco demográfico: ver Israel afogado a prazo por uma maioria árabe. Se uns defendem a conservação dos territórios como moeda de troca para uma futura paz com os árabes, outros vão derivar rapidamente para o messianismo conquistador do Grande Israel. "Continuamos em 1967: o mesmo problema, os mesmo debates", diz o historiador Tom Segev.
Israel vai tornar-se uma potência ocupante. Passada a admiração internacional pela gesta dos Seis Dias, crescem o anti-sionismo e o apoio à causa palestiniana. A ocupação recoloca os palestinianos no centro do tabuleiro. Israel vai não só conhecer novas eras de terrorismo como vai mudar por dentro. Encerra-se a era do socialismo e dos kibbutzim, emerge o nacionalismo religioso. A sociedade dilacera-se.
"Quarenta anos depois da Guerra dos Seis Dias, o que predomina é um sentimento de desastre. Pode discutir-se ao infinito sobre a questão de saber se foi uma ocasião de paz. Se foi esse o caso, é então ainda mais cruel a impressão de uma oportunidade perdida", lamenta o jornalista Nahuma Barnea.