José Ramos-Horta: "Não fui candidato de nenhum país"

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Segundo os últimos resultados avançados, Ramos-Horta levava um avanço de cerca de 40 por cento sobre Lu-Olo Lirio Da Fonseca/Reuters

José Ramos-Horta nem hesita, quando lhe perguntamos se o podemos entrevistar já como Presidente eleito, ainda que não proclamado oficialmente, de Timor-Leste. A última vez que soube dos resultados levava um avanço de cerca de 40 por cento sobre o seu adversário. Só mesmo Lu-Olo "tem estado sem contacto telefónico". A meio da tarde de ontem (noite em Timor-Leste) as outras figuras importantes da Fretilin já todas o haviam felicitado – incluindo Alkatiri, a cuja casa tomou a iniciativa de se deslocar.

PÚBLICO:

Como está a celebrar, pessoalmente, esta vitória?

José Ramos-Horta:

Não celebro por causa, obviamente, da situação humanitária de milhares de deslocados em Díli e noutros pontos do país. Quando há [por outro lado] alguns que se sentem "derrotados", não celebro. Celebrar a vitória nestas circunstância seria, talvez, achincalhar outros.

P:

Já falou com os seus adversários?

R:

Tomei a iniciativa de me deslocar a casa do dr. Maria Alkatiri. Trocámos um grande abraço. Ele estava bastante combalido, por causa do caso do ex-ministro Rogério Lobato, que tinha recolhido à prisão de Becora.

P:

É quase inevitável atribuir-se significado político à escolha deste dia para anunciar a decisão…

R:

Estava reunido com o Presidente Xanana e com os membros do Conselho de Estado quando recebi um SMS sobre a iminente ida de Rogério Lobato para a prisão. Fomos completamente apanhados de surpresa. E ficámos preocupados com o timing da decisão. Quer o Presidente quer eu fizemos telefonemas para saber o que se passava. A decisão estava completamente fora das nossas mãos. O Tribunal de Recurso confirmou a sentença e mandou a decisão para o Tribunal Distrital de Díli, que imediatamente a mandou executar. Falei com Rogério Lobato ao telefone. Obviamente, não posso interferir no poder judicial.

P:

Da conversa com Mari Alkatiri ficou com a ideia de que a Fretilin vai aceitar a derrota?

R:

Sim. Recebi abraços de parabéns de Mari Alkatiri de José Reis, secretário-geral- adjunto da Fretilin; recebi um SMS de Ana Pessoa, influente no partido; e um telefonema de felicitações do vice-primeiro-ministro, Estanislau da Silva, outro membro influente no partido.

P:

Falta a reacção do seu adversário.

R:

Ele tem estado sem contacto telefónico. Anteontem fiz esforços para o visitar antes da votação mas ele não estava disponível. Logo que ele esteja disponível, irei visitá-lo, seja no Parlamento Nacional, seja na sua residência.

P:

O que representa ser Presidente da República de Timor-Leste, no plano pessoal e no plano político?

R:

No plano pessoal preferia não ser Presidente. Mas tive muita manifestação de confiança, apoio e carinho da população. Foi sobretudo no interior remoto, onde os jornalistas não me acompanhavam, que eu vi o povo verdadeiro de Timor-Leste. Sinto-me não só honrado mas responsabilizado para que esta venha a ser verdadeiramente uma Presidência dos pobres, lhes traga uma vida melhor, e traga a paz e a harmonia a este país.

P:

Que interpretação política faz do "score" eleitoral do candidato da Fretilin?

R:

A Fretilin tomou uma decisão eleitoral errada. Não devia ter investido tanto no seu próprio Presidente, quando o mais importante seriam as legislativas. A Fretilin queria conquistar a Presidência, o Parlamento e o executivo para poder governar nos próximos cinco anos sem quaisquer empecilhos.

P:

Vai fazer campanha, agora, por Xanana e pelo CNRT?

R:

Não. Rigorosamente não. Seria eu trair a Constituição. Uma das minhas tarefas será provar à Fretilin que não sou adversário e muito menos inimigo. Que a Fretilin ainda tem um papel importantíssimo na estabilização e desenvolvimento deste país. E que em ninguém se esgotam as verdades e as virtudes.

P:

Qual vai ser a sua primeira medida, enquanto Presidente?

R:

Já no sábado [amanhã] presido a uma reunião do Conselho de Ministros. Na agenda está a questão dos deslocados. Na segunda-feira, tenho uma reunião com o comando todo das Forças de Defesa, para conversarmos como timorenses, amigos e irmãos sobre a questão dos peticionários e sobre a reforma das Forças Armadas.

P:

Quais as suas ideias quanto à cooperação portuguesa nas áreas da Justiça e da Educação? São para continuar, para aprofundar ou para ir diminuindo?

R:

Diminuir nunca, embora isso dependa do compromisso e das possibilidades de Portugal. Pelo menos manter ao nível actual é vital para nós. A cooperação portuguesa tem sido das melhores. Não me parece que haja muito para corrigir ou mudar.

P:

Que mensagem dirigiria àqueles – e são bastantes que nesse sentido se têm manifestado, em Portugal – que acham que a vitória de José Ramos-Horta nas eleições presidenciais foi a vitória do candidato australiano?

R:

A Austrália portou-se com extrema correcção em todo este processo. Nunca lhes ouvi uma única palavra de crítica aos portugueses. Só têm palavras de elogio às forças portuguesas, em particular à GNR, cujo profissionalismo e eficácia admiram muito. Eu não fui candidato de nenhum país. Podia-se dizer que sou candidatos dos americanos, até de Sua Santidade o Papa. Todos os países livres com quem tenho óptimas relações aqui na região foram sempre muito prudentes. Amigos portugueses às vezes têm informações parciais sobre a Austrália. Cada um de nós faz as suas especulações. Não é nada estranho. Quando Mário Soares se candidatou pela primeira vez à Presidência era muito visto como o amigo americano. Enfim, eu sou amigo de Portugal. Se alguma virtude tenho é a da memória e a da gratidão. Timor-Leste não estaria livre hoje se não fosse a acção diplomática portuguesa. Qualquer político inteligente timorense terá que saber privilegiar as relações com Portugal para que, via Portugal, continuemos a ter relações privilegiadas com esse enorme bloco chamado diplomático, político e económico que é a União Europeia.

P:

Já pensou em quem é que vão convidar para a tomada de posse, no dia 20?

R:

Infelizmente não me parece realista convidar seja quem for em tão pouco espaço de tempo. Não sou um Bill Clinton ou uma Jennifer Lopez para as pessoas correrem a visitar-me. O Presidente indonésio, Yudhoyono, de quem sou muito amigo, deu indicações de que gostaria de vir, mas estão aqui mesmo ao pé. Nem sequer me atrevo a convidar Presidente Cavaco, de Portugal. Seria até indelicadeza da minha parte estar a convidar alguém de tão longe com apenas dois ou três dias de antecedência. Mas qualquer representação portuguesa nos honrará e será sempre bem-vinda.

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