Exposição de cadáveres plastificados chega a Lisboa

É uma mostra didáctica,
para ver o corpo humano por dentro, tal como ele é. Se receia
ficar impressionado... não receie

a São 17 corpos humanos inteiros e mais de 250 órgãos. Mas não são bonecos ou modelos do corpo humano: são verdadeiros cadáveres que foram preservados graças a uma morosa e dispendiosa técnica, conservando, tanto quanto possível, o seu aspecto real.Quando entramos na exposição O Corpo Humano Como Nunca o Viu, que no próximo sábado é inaugurada no Palácio dos Condes do Restelo, na Rua da Escola Politécnica, em Lisboa, começamos por ver um esqueleto. Nada de muito imponente. Mas numa salinha ao pé espera-nos algo de menos habitual: uma pele sem corpo, no interior de uma vitrina. Um molde de um corpo ausente que parece feita de pergaminho.
Mais à frente, há um homem que corre, com os músculos em visão "explosiva" como se fossem penas cor-de-rosa, um jogador de râguebi, um pensador sentado com o cérebro à mostra que olha para um outro cérebro, um maestro com a sua batuta. Há homens (e uma mulher) cortados às fatias longitudinais (duas, três, quatro) e transversais (um corpo deitado, cortado às rodelas, que devido ao afastamento das suas peças, mede cerca de quatro metros). Há ainda um lançador de disco e um guarda-redes a apanhar uma bola de futebol.
Assim, ao longo de nove galerias temáticas, passam-se em revista os sistemas muscular, nervoso, vascular, respiratório, digestivo, reprodutivo, urinário e por último as próteses e diversas cirurgias. A mostra inclui, entre as peças soltas, os pulmões doentes de um fumador e vários especímenes onde os tecidos foram dissolvidos e apenas foram preservadas as veias e artérias - deixando um organismo-fantasma. Há também uma série de embriões e fetos (provenientes de abortos espontâneos) em diversos estádios de desenvolvimento, órgãos fetais e placentas.
"Tenho a certeza que esta exposição vai desempenhar um papel didáctico, pedagógico, para a maioria dos portugueses", diz Francisco de Castro e Sousa, professor de cirurgia da Universidade de Coimbra e um dos elementos da comissão científica portuguesa da mostra.
Anti-CSI
A utilidade pedagógica parece indiscutível, mas o impacto psicológico que esta mostra (e outras do mesmo género) terá provocado nos públicos pelo mundo fora não parece justificada. Talvez o fosse há uns anos, mas hoje, as séries televisivas encarregaram-se de nos "educar" neste domínio ao permitir-nos espreitar com um olhar cirúrgico para dentro dos maiores laboratórios de medicina forense e das mais imponentes salas de autópsia. Admitamos que nos tornamos dificilmente impressionáveis - e que, não havendo nesta mostra nem sangue nem horror, estes corpos imortalizados em diversas matérias plásticas e em diversas posturas afinal são mais parecidos com bonecos do que com outra coisa.
No fundo, trata-se de uma mostra de peças anatómicas - de um género diferente, é certo, mas mesmo assim, sem nada de particularmente arrepiante. Segundo Roy Glover, antigo professor de Anatomia da Universidade do Michigan e responsável científico pela mostra ao nível internacional, nada melhor do que modelos reais do corpo humano para perceber como ele funciona. Ao contrário dos modelos idealizados, utilizados nas aulas de anatomia, os corpos aqui apresentados mostram o humano como ele é na realidade. Para perceber, entre outras coisas, a sua fragilidade e a importância de uma vida saudável.
Onde surge a controvérsia, porém, é em torno da origem dos cadáveres. Estes provêm do Laboratórios de Plastinação da Universidade Médica de Dalian, na República Democrática da China, e são, segundo os responsáveis da mostra, cadáveres doados ou não identificados "que morreram de causas naturais". Porém, segundo um artigo publicado no New York Times em 2005, aquele instituto chinês já foi objecto de suspeitas de estar a utilizar cadáveres de reclusos chineses executados para fins comerciais - o que levantou questões de violação dos direitos humanos e das próprias leis chinesas. "As normas legais foram respeitadas", garantiu ontem Castro e Sousa, salientando que a Premier Exhibitions, a empresa que organiza a mostra, nunca aceitaria utilizar corpos obtidos em condições dúbias. "Os corpos não reclamados passam a ser propriedade do Estado chinês, que os entrega às escolas de medicina para fins pedagógicos", diz Glover.
Várias exposições idênticas à de Lisboa estão neste momento patentes - em Nova Iorque, Washington, San Diego, Las Vegas e Durham (Carolina do Norte). A mostra já passou por Amesterdão, S. Paulo, Londres, Miami e Seattle, estando também prevista a sua ida a Pittsburgh. E há uma que é inaugurada em Praga no mesmo dia que em Lisboa. No total, estas exposições já acolheram mais de três milhões de visitantes.
A exposição estará aberta todos os dias (e até às 23 horas de quinta a domingo) e pode ser vista por adultos e crianças. Os preços é que se poderão revelar proibitivos: 19,50 a 21 euros para os adultos; 17,50 a 19,50 euros para seniores e estudantes; 14,50 a 15,50 euros para crianças. O "pacote família" custa 50 a 55 euros.
A origem
dos cadáveres, segundo
a organização,
é absolutamente legal e respeita todos os
critérios éticos

Sugerir correcção