Bastonadas sobre manifestantes em Lisboa reabrem polémica sobre violência policial
Manifestantes acusam autoridades de "abuso de força". A PSP rejeita acusação e fala de "vandalismo e agressões". Houve sete feridos, cinco dos quais agentes policiais
O Tribunal de Instrução Criminal (TIC) de Lisboa libertou ontem com termo de identidade e residência as 11 pessoas, nove homens e duas mulheres, detidas quarta-feira, revelou Florinda Baptista, a advogada de algumas destas pessoas. Os detidos eram acusados de "vandalismo e agressões" a agentes da autoridade, numa manifestação antifascista ocorrida na tarde do 25 de Abril. Florinda Baptista falava à saída do TIC, onde os indivíduos foram ouvidos por um juiz de instrução criminal. A advogada referiu que o inquérito prossegue os seus termos, negando que os seus clientes tenham praticado actos violentos.
a O Ministério da Administração Interna não quis ontem comentar os incidentes ocorridos na véspera, na Baixa lisboeta, que envolveram manifestantes, alguns dos quais ligados a movimentos antiglobalização, e forças policiais. No Chiado, a marcha contra "o fascismo e o capitalismo" na tarde do 25 de Abril acabou à bastonada, com 11 detidos, sete feridos ligeiros entre manifestantes e forças policiais, e ruas bloqueadas pela polícia de intervenção.
Ontem, avultaram as denúncias dos manifestantes, que acusam a polícia de "abuso e excesso de violência". Na versão da PSP, a intervenção aconteceu por causa de "actos de vandalismo e agressões" a elementos da autoridade, na sequência de "uma manifestação não autorizada nem comunicada ao governo civil e, como tal, ilegal".
"Não sou anarquista, não sou filiada em nenhum partido e é imbecil reduzir a manifestação a vândalos e anarcas que partiram montras", indigna-se Cláudia Dâmaso, de 26 anos, trabalhadora-estudante em artes do espectáculo. Ela era um das cerca de 300 pessoas (na versão policial seriam 150) que, pelas 18h00 de anteontem, na Praça da Figueira, decidiu comemorar Abril protestando contra o capitalismo. "A polícia já lá estava", relata Ana Brás, de 28 anos, também ela ligada às artes do espectáculo. Alguns agentes vigiavam movimentos, apoiados, diz, por "uma carrinha com polícia de choque", e à medida que o desfile se foi dirigindo para a Praça de Luís de Camões o cordão policial foi engrossando.
Diz a polícia que havia manifestantes encapuzados e que, no trajecto, "indivíduos foram arremessando, para montras de estabelecimentos e transeuntes, sacos de plástico com tinta, ao mesmo tempo que faziam graffiti em várias paredes". "Vi apenas uma pessoa a escrever um graffiti na berma do passeio, mais nada", assegura Ana Brás. "É mentira, nenhuma montra foi partida", corrobora Cláudia Veloso, que, ao contrário da sua companheira, decidiu juntar-se ao grupo que desceu a Rua do Carmo até ao Chiado, onde rebentaram os confrontos.
"Houve alguém que lançou um very-light. Ouvi a polícia a chamar o Corpo de Intervenção, cortaram a Rua do Carmo e a partir daí foi o descalabro. Vi uma amiga minha a ser espancada, sem qualquer razão, e refugiei-me numa loja", narra, dando conta de uma carga policial que levou lojistas, transeuntes e manifestantes a debandarem, numa fuga desorientada face à investida da polícia.
"Tentei sair da loja e vi três rapazes e uma rapariga, aninhados, a levarem porrada. Quanto ia a tirar uma fotografia, um polícia chegou ao pé de mim e disse-me: "Não tires mais fotografias porque, senão, eu fico com a máquina e levas porrada". Eu refugiei-me noutra loja."
Tal como anteontem fez perante a polícia, Cláudia Veloso pergunta: "Porquê tanta violência?". Esta é também a perplexidade de Benjamim Viraroso, um cidadão argentino a estudar em Portugal, que ficou barricado na Rua do Carmo. "Via-se nos olhos da polícia que queriam atacar manifestantes que estavam apenas armados com a palavra", acusa.
Versão distinta tem a polícia, garantindo que, "apesar da maior presença policial, os actos violentos recrudesceram [...], agora já com disparos de very-lights e com a preparação de cocktails molotov". Resultado? Onze detidos. Apreendidos três cocktails molotov, 27 barras de ferro, 21 paus de madeira e "diversa simbologia anarco-libertária".