Actriz à deriva em filme sem arte

A actriz é o maior trunfo do filme, bem apoiada por um notável trabalho técnico (décors, guarda-roupa,ambientação), mas ter uma actriz e um orçamento luxuoso não chega: Olivier Dahan desbarata a entrega de Cotillard - semelhante à entrega total de Piaf ao poder avassalador da sua voz - numa exploração pesadona, pretensiosa e sem arte do lado mítico e do ícone trágico, da menina que nunca teve nada e que quis ter tudo e pagou um preço demasiado alto porisso. Personagens entram e saem sem que nunca seja explicado ao espectador quem são e qual a suarelevância (desperdiçando um elenco de luxo reduzido a "cameos" sem rei nem roque), a narrativa salta entre diversos tempos da vida da cantora sem outra lógica ou justificação que a recusa da linearidade. Apenas dois momentos resultam - e, curiosamente, são os dois únicos momentos em que Piaf é amada porquem é e não pelo que é: o "interlúdio idílico" da infância no bordel da avó (onde, paradoxalmente, Emmanuelle Seigner brilha na única personageminventada para efeitos narrativos), e o romance com o pugilista Marcel Cerdan, espécie de "conto de fadas" cujo desenlace trágico consegue o embalo dramático que o filme falha ao longo de toda a sua duração. No resto, "La Vie em Rose" é umaoportunidade tristemente perdida. Até no título português - que se limita a reproduzir o títulointernacional do filme, substituindo o original francês "La Môme" - que só pode ser lido como comentário irónico: a vida de Edith Piaf foi tudomenos cor-de-rosa.

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