PSD alerta para ambiente de condicionamento da liberdade
Paulo Rangel fala em "claustrofobia democrática", em ameaças à liberdade de expressão e critica centralização do poder policial
a Contra a "letargia cívica e anestesia cidadã", o PSD fez ontem das comemorações oficiais do 25 de Abril, no Parlamento, um exercício de democracia: "Denunciar, sem medos, com serenidade e exigência, os novos perigos e ameaças para a liberdade dos cidadãos". Paulo Rangel fê-lo num registo raro à direita, ao criticar aquilo que considera ser um "ambiente de condicionamento da liberdade" de opinião e de expressão, por um lado, e o modelo "concentracionário" em elaboração em matéria de informações e forças de segurança, por outro. "Não podemos alhear-nos das ameaças e nebulosas que espreitam e envolvem" a democracia, começou por avisar. Para logo questionar: "Como garantir e realizar essa democracia de valores, essa república da tolerância e do pluralismo, se nunca como hoje se sentiu uma tão grande apetência do poder executivo para conhecer, seduzir e influenciar a agenda mediática?" Aquilo a que chama "impulso de sedução e domínio" não se limita ao "alinhamento e à agenda" da comunicação social, mas chega ao "controlo mais directo ou indirecto de órgãos de comunicação ou das suas estruturas de gestão", considerou.
"E não falamos apenas da política de comunicação", frisou, embora ainda acrescente as "soluções legislativas que avaliam e adjectivam a qualidade do jornalismo". Foi mais longe: "Falamos da liberdade de expressão individual" do cidadão comum, "trabalhador ou empresário, desempregado ou quadro médio, estudante ou funcionário público". Não, não são só os media. "É também a sociedade portuguesa que está condicionada". "Nunca como hoje, em décadas de democracia, se sentiu este ambiente de condicionamento da liberdade", considerou. "Do ponto de vista dos valores processuais da liberdade de opinião e da liberdade de expressão, vivemos aqui e agora - ai de nós! - num tempo de verdadeira "claustrofobia democrática"", acrescentou. Ouvem-se protestos da bancada socialista.
Mas as críticas não estavam terminadas e Rangel lança a segunda farpa, sobre a reorganização da segurança interna. "O executivo prepara-se para legitimar, com a chancela da lei, a total concentração do poder de mando civil, o poder policial", dispara. Com uma agravante, afirma: "Cria-se, sob a alçada do chefe do executivo, um secretário-geral que tanto coordena como ordena e que passará a tutelar todos os corpos policiais, aí incluída a Polícia Judiciária". Tudo isto a par de um Conselho Superior da Investigação Criminal, "presidido também pelo chefe do executivo, em que tem assento o procurador-geral da República, em posição estatutária de alto funcionário, subordinada e nunca antes assumida".
No fim, sobravam-lhe interrogações como esta: "Como aperfeiçoar um sistema democrático, se ao fim de 30 anos de experiência e maturação, esse sistema declina, desliza e derrapa para um modelo simplista e "concentracionário" do "Grande Intendente" que tudo supervisiona, tudo tutela, tudo vigia?"
O PS não gostou. Para o primeiro-ministro, "esse discurso é apenas um discurso de crítica, na linha do bota-abaixismo". "É uma coisa a que o PSD já nos habituou: só sabe criticar, só sabe dizer mal. Ora eu acho que isso é pouco para o dia da democracia", acrescentou José Sócrates.
Ao ministro dos Assuntos Parlamentares, Augusto Santos Silva, o discurso do PSD pareceu "completamente fora de tom". "A certa altura pensei que [o orador] estava a fazer um exercício crítico sobre o estado do regime político democrático na Madeira, porque quando se fazem acusações sobre supostas influências do executivo nos meios de comunicação social, lembro-me logo do Jornal da Madeira e na influência determinante do Governo Regional num órgão de imprensa formalmente privado".
No continente, não vê motivos de preocupação: "A democracia portuguesa é adulta e estabilizada, há mecanismos de garantias, há uma lógica de poderes e contrapoderes", considera o governante que tem a tutela da comunicação social.
Governo ouviu
De resto, os partidos falaram dos temas que lhe são mais caros. À direita, o CDS-PP insistiu na igualdade de comemorações entre o 25 de Abril e o 25 de Novembro. E Nuno Magalhães desfiou a cartilha com que Paulo Portas reconquistou a liderança do partido: o liberalismo, a responsabilidade individual e a autoridade, as várias inseguranças e os desafios da modernidade: ambiente, investigação científica e cultura.
A esquerda, desta vez, a par da pobreza, das desigualdades e dos temas sociais, apostou na questão europeia. Primeiro Os Verdes: "Não se procure em reformas institucionais na União Europeia a solução para males que radicam no afastamento dessas instituições das preocupações do cidadão comum", atirou Madeira Lopes. Depois o BE: "Se a Europa quer ter uma Constituição, a promessa do referendo tem de ser cumprida. O país não perdoará a irresponsabilidade de quem promete e despromete o referendo", avisou Helena Pinto.
No seu registo, o PCP: "A soberania nacional é submetida a uma integração europeia feita à medida das multinacionais e das grandes potências. E quando alguns pretendem retomar um tratado morto pela vontade dos povos, já há quem queira expropriar o povo português do direito de se pronunciar", proclamou Francisco Lopes. Só a socialista Maria de Belém evitou a questão, deixando apenas a certeza da necessidade de "encontrar o desenho constitucional" mais apropriado à coesão social, a par da união política e económica.
Pelo seu lado, o presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, centrou as suas preocupações na instituição que dirige e quer modernizar. A reforma do Parlamento em discussão serviu-lhe para deixar recados.
Aos deputados: "Democracia é exigência de correcto desempenho público, a começar pelo nosso e pelo cumprimento dos deveres de assiduidade em relação ao desempenho de mandatos públicos". E ao executivo: "Seremos capazer de reforçar o controlo político do Governo em plenário e o contraditório com as oposições, sobre verdadeiras questões de actualidade, seleccionadas por forma menos predeterminada pelo executivo".
O Governo, nesta cerimónia, teve de ouvir e calar. Neste modelo quem mais ordena é a oposição e o Presidente da República. Mas talvez não seja assim por muito mais tempo.
A páginas tantas, um cidadão brasileiro, cravo vermelho na mão, levanta-se e protesta contra a discriminação. Por um instante.