Uma família à beira de um ataque de nervos
Início da competição de longas do IndieLisboa com filme do realizador francês Laurent Achard
a A competição de longas-metragens do IndieLisboa arranca com Le Dernier des Fous, primeira obra que vem com o prestigiado prémio francês Jean Vigo e o prémio de melhor realizador em Locarno 2006. E é um arranque que exige estômago, tal a violência psicológica do primeiro filme de Laurent Achard, que acompanha a desintegração de uma família disfuncional rural através dos olhos do filho de dez anos. Martin é "o último dos loucos" a que o título francês (derivado do título original do romance canadiano de Timothy Findley que o filme adapta) se refere? A loucura pode ser muita coisa diferente. A mãe de Martin sofre claramente de perturbações psiquiátricas (não sai do quarto e só abre a porta à fiel empregada da casa), o irmão anda irritável desde que soube que o namorado se vai casar, o pai faz de conta que a quinta não se está a afundar, a avó finge que está tudo normal. Mesmo a vizinha de Martin, a única amiga com quem ele brinca, está agora a entrar na puberdade e já não tem disponibilidade para ele. A loucura pode apenas ser a transparência de quem é ignorado por todos, como Martin, que passeia pela mansão em ruínas como um fantasma que só a bondosa governanta aceita e acarinha.É um dos trunfos do filme de Laurent Achard: o retrato certeiro e sem concessões de uma infância solitária, invertendo o tradicional lugar-comum da bucólica infância rural, aqui substituída por uma solidão quase psicótica, por uma angústia claustrofóbica que encontra o seu equivalente na intensidade alucinada das interpretações do miúdo Julien Cochelin e do irmão mais velho Pascal Cervo. Mas esse trunfo é uma espada de dois gumes, porque a intensidade do filme tem como reverso uma queda num formalismo solene em que tudo, desde a ausência de música e os diálogos rarefeitos até à tentativa de emprestar significado a cada enquadramento, corre o risco de tombar no maneirismo autoral e resvala demasiadas vezes para uma frieza clínica e quase repelente. Laurent Achard sabe o que quer fazer e o que está a fazer, e Le Dernier des Fous é a revelação de um cineasta seguro, talentoso e ambicioso. Isso torna-o num excelente arranque para a competição deste ano, mas não num filme de que se goste facilmente.
Le Dernier des Fous (França/Bélgica, 2006, 1h34), de Laurent Achard. Cinema King, Av. Frei Miguel Contreiras, 52-A; sala 1, hoje às 22h00, repete domingo às 17h45 (sala 3) e 5ª 26 às 16h00 (sala 1). Bilhetes a ?3,00 e ?3,50.
Primeiras sessões da Competição, com Le Dernier des Fous de Laurent Achard (King 1, 22h00) e o primeiro programa de curtas nacionais, com os documentários A Ilha da Boa Vida de Mercês Tomaz Gomes e Filhos do Tédio de Rodrigo Fernandes e Rita Alcaire (Fórum Lisboa, 19h00)
No Observatório, passa o documentário de Jia Zhang-ke Dong (King 2, 15h30) e Old Joy, de Kelly Reichardt, com a presença como actor de Will Oldham, aliás Bonnie "Prince" Billy (King 3, 21h30)
Arranca a retrospectiva Herói Independente dedicada ao Novo Cinema Alemão com quatro programas (King 1, 18h45, Londres 2, 15h00 e 21h15, Londres 1, 21h45)
Primeira sessão do New Crowned Hope com Daratt de Mahamat-Saleh Haroun e a curta de Teboho Mahlatsi Meokgo and the Stickfighter (King 1, 16h00)