Historiadores querem acabar com o mito de D. Sebastião
Os dois investigadores dizem ter tido acesso a documentos que provam que o rei D. Sebastião tombou no campo da batalha de Alcácer Quibir (Marrocos) e que o seu corpo foi resgatado e transferido para Ceuta, onde permaneceu até ser trasladado para Portugal.
O resultado da investigação, que será publicado em Maio na Revista Cultural Praça Velha, editada pela Câmara Municipal da Guarda, leva os historiadores Carlos d'Abreu (Guarda) e Emílio Rivas Calvo (Salamanca, Espanha) a defenderem a abertura do tumulo de D. Sebastião e a análise das ossadas.
A batalha de Alcácer Quibir foi travada a 4 de Agosto de 1578, em Marrocos, tendo o exército português sofrido uma grande derrota frente aos mouros, que culminou com a morte do rei D. Sebastião.
Carlos d'Abreu recorda que a História refere, pelos relatos de Jerónimo de Mendonça (cronista de A Jornada de África), que "ninguém viu morrer o rei", do que resultou ter sido criado em Portugal um mito em torno do monarca.
"A historiografia criou o mito sebastiânico, em como ele não terá morrido no campo de batalha, mas antes, desonrado pela derrota, terá partido e andado a vaguear por aí", disse.
Com a sua investigação, iniciada em 2003, quando estava de férias em Ceuta, o historiador garante que deita o mito "por terra", porque afinal D. Sebastião "morreu e o seu corpo foi resgatado do local da batalha".
Carlos d'Abreu conta que, durante o processo de investigação, realizada em colaboração com o investigador espanhol, encontrou no Archivo General de Simancas (Espanha) documentos relacionados com a entrega do corpo do monarca português.
"A primeira reacção que tive - assinalou - foi que, eventualmente, os documentos não fossem verdadeiros", mas a sua autenticidade foi garantida pelos serviços do arquivo.
Documentos provam trasladação do corpo do monarca
Os historiadores tiveram acesso a vários documentos relacionados com o processo pós-morte do monarca na Batalha de Alcácer Quibir, destacando três deles.
Um dos documentos é a acta da entrega do corpo do monarca em Ceuta (Praça que foi portuguesa até 1640), datada de 10 de Dezembro de 1578, que relata a recepção do corpo e a sua deposição na igreja do Mosteiro da Santíssima Trindade.
O segundo documento, emitido no dia seguinte, transcreve uma comunicação do embaixador do Rei Filipe II de Espanha a confirmar a chegada do cadáver a Ceuta e o terceiro, datado de 8 de Janeiro de 1579, é uma carta do cardeal-rei D. Henrique a Filipe II a agradecer "tudo o que Filipe II fez em relação à recuperação do corpo".
Carlos d'Abreu refere ainda que o corpo do monarca esteve em Ceuta até 1582, quando o rei Filipe I de Portugal "o fez trasladar para Portugal e tumulou-o, bem como à sua família, no Mosteiro dos Jerónimos".
Os dois investigadores defendem agora, à semelhança de outros, que o túmulo de D. Sebastião "seja aberto e se realizem análises de ADN do corpo do rei e dos seus antepassados que também ali se encontram sepultados".
"Comungamos desta opinião, porque achamos que a ciência deve ser posta ao serviço da verdade", argumenta o investigador residente na Guarda.
"Sendo eu um visitante do Mosteiro dos Jerónimos, sabia que existia lá um túmulo de D. Sebastião, mas não lhe dava importância porque a ideia que a historiografia transmitia era que o túmulo estava vazio, que era simbólico", observou.
Por isso, defende a abertura do túmulo do monarca "para que se esclareça se os ossos pertencem ou não ao rei".
"Acho que isso deve ser feito. (...) Se hoje a ciência nos dá essa possibilidade, por que razão havemos de continuar a alimentar o mito?", questiona.
Segundo Carlos d'Abreu, os historiadores que se têm debruçado sobre o estudo de D. Sebastião têm sido "negligentes, porque não se esforçaram por dissipar essas dúvidas que ainda hoje persistem".
"Dá a sensação que houve uma estratégia, montada por parte não sei de quem, no sentido de sonegar a informação contida nestes documentos que, por serem conhecidos por alguns historiadores, mesmo que poucos, não são por isso inéditos", conclui.