Toda a gente que conheça um pouco do cinema indiano sente uma certa irritação perante o facto de MiraNair representar, para as plateias ocidentais, a ideia mais comum, quando não a única, do cinemaindiano. Indústria e cinematografia auto-suficientes, nunca na Índia foi preciso fazer "cinema de exportação" - nem o cinema popularo faz, nem os grandes mestres-autores, por exemplo Satyajit Ray ou Ritwik Ghatak, precisaram de o fazer. Mira Nair não faz outra coisa, merecendo a palavra "exportação" reserva apenas porque as suas fontes de financiamento são muitas vezes estrangeiras. Mas tem sido a sua especialidade: explorar um exotismo folclórico que um europeu ou umamericano facilmente reconheça como "característico", e que caiba no nicho que o circuito do "world cinema" destinou à Índia. Muitocostume, muita tradição, muita Índia de bilhete postal, eis a norma do cinema de Mira Nair - o"Casamento Debaixo de Chuva" ou, sobretudo, esse ridículo "Kama Sutra". Assim explicado o preconceito com que entramos no visionamento de "O Bom Nome",estamos livres para dizer que se trata do melhor filme da realizadora indiana. Desta vez não se trataapenas de um cinema indiano "estrangeirado", mas de uma reflexão sobre a Índia no estrangeiro. Não se faz um persépio com "costumes & tradições", filmase,a partir de duas gerações de uma família bengali emigrada nos EUA, a fricção entre essas raizes culturais e um meio ambiente a que elas sãoestranhas, observando até a sua dissolução (os filhos, muito mais "americanos" do que "indianos").De acordo com este propósito de focar miscinegações culturais, até "O Capote" de Gogol está na raiz danarrativa (dando o autor russo o nome a uma das personagens). Desta vez, de facto, não colhe o nosso preconceito: Mira Nair faz "O Bom Nome" existir fora de uma "reserva" folclórica, meditando até sobre a inexistência de tais "reservas" no mundocontemporâneo. A "mise-en-scène" de Mira Nair continua a não ser muito interessante, e a realizadora não evita que (sobretudo no terço final) o seu filme se perca em rodriguinhos narrativos maldesenvolvidos e despachados a correr (as atribulações sentimentais do protagonista, Gogol). Mas há uma inteligência e uma sensibilidade, uma certa delicadeza na caracterização das personagens que acaba por soar bastante justa. Em particular, as personagens dos pais - sobretudo a mãe (uma actrizchamada Tabu, magnífica), em subtil retrato de mulher desenraizada, dividida entre a sua identidadecultural e a identidade dos seus filhos. Nalguns momentos, quando Mira Nair filma os encontros e as festas da pequena comunidade de emigrados, há um calor nada dispiciendo (até por nem aí ceder à tentação de construir uma pequena "bolsa" alimentada afolclore). O que acaba por ser, no fim de contas, a melhor em mais bem acabada expressão do "programa" de "O Bom Nome": estrangeiros numa terra estranha, aaguentarem-se no balanço entre dois mundos.
Gerir notificações
Estes são os autores e tópicos que escolheu seguir. Pode activar ou desactivar as notificações.
Gerir notificações
Receba notificações quando publicamos um texto deste autor ou sobre os temas deste artigo.
Estes são os autores e tópicos que escolheu seguir. Pode activar ou desactivar as notificações.
Notificações bloqueadas
Para permitir notificações, siga as instruções: