Quem tem medo de Brigitte?
A terrorista considerada "a mulher mais perigosa da Alemanha" foi posta em liberdade. Brigitte Mohnhaupt nunca pediu desculpa
A Há 24 anos, quando entrou numa cela para cumprir cinco penas de prisão perpétua, Brigitte Mohnhaupt, membro do grupo terrorista Facção do Exército Vermelho (RAF, mais conhecido como Baader-Meinhof), era considerada "a mulher mais perigosa da Alemanha". Na madrugada de domingo, arrumou a sua cela na prisão de Aichac, na Baviera, e saiu em liberdade pela primeira vez num quarto de século - dois dias antes do previsto, para evitar a atenção mediática. Tinha amigos à espera, e desapareceu na noite, longe dos fotógrafos e das câmaras de televisão. Uma avaliação psicológica feita na prisão concluiu que ela já não representa um perigo para a sociedade. Mas a Alemanha não lhe conhece o rosto actual e não sabe o que ela pensa. Será que esta mulher de 57 anos ainda acredita que o assassínio de "porcos capitalistas" é necessário para a revolução?
Sabe-se que nunca se declarou publicamente arrependida, e que nunca pediu desculpas pelos seus crimes. E sabe-se que há 30 anos, a 30 de Julho de 1977, acompanhada por dois outros terroristas, tocou à porta de casa do banqueiro alemão Juergen Ponto, segurando nas mãos um ramo de rosas vermelhas. Os três - Mohnhaupt estava acompanhada por Christian Klar (um dos três últimos membros dos Baader-Meinhof ainda presos) e por Susanne Albrecht, enteada de Ponto - pretendiam raptar o banqueiro, mas perante a resistência dele, agarraram nas suas metralhadoras e dispararam, deixando-o morto.
Em Setembro desse ano, às cinco e meia da tarde, numa rua de Colónia, os Baader-Meinhof raptaram um dos mais importantes representantes do patronato alemão, Hanns-Martin Schleyer. A imagem de Schleyer, com o símbolo das RAF por trás e, ao peito, um cartaz com a data de 13/10/77 ficou como marca dos anos de terror na Alemanha. Cinco dias depois o seu corpo era encontrado no porta-bagagens de um carro. As mortes de Ponto e Schleyer são dois dos nove assassínios pelos quais Mohnhaupt foi condenada, depois da sua captura em 1982.
"Outono alemão"
Brigitte Mohnhaupt fez parte da chamada Segunda Geração da RAF, que emergiu quando os líderes fundadores já estavam quase todos presos, ultrapassou em violência a Primeira Geração, e marcou o ano de 1977, o chamado "Outono alemão". Nas imagens desse tempo, é uma jovem loura de cabelo liso e comprido, rosto largo, boca dura, olhos claros, com maquilhagem escura. Vinha, como quase todos os membros da RAF, de uma família de classe média, com um percurso banal: os pais divorciaram-se, ela ficou a viver com a mãe, estudou filosofia na Universidade de Munique, casou (em 1968), divorciou-se (em 1970). Juntou-se à RAF em 1971, esteve presa entre 72 e 77, e assim que saiu da prisão regressou à clandestinidade. Foi nessa fase que cometeu os crimes mais graves, culminando na tentativa de assassínio do general americano Frederick Kroesen, em 1981, um ano antes de ser presa.
Os antigos terroristas envelheceram. Já não são os jovens de ar duro das pequenas fotos a preto e branco que encheram as ruas das cidades alemãs nos cartazes "Procura-se" - apavorando e fascinando ao mesmo tempo. E se ainda metem medo é precisamente porque esses anos são uma ferida por fechar na sociedade alemã. "Não tenho a certeza de que os alemães alguma vez lhes perdoem", disse ao The Independent Wolfgang Kraushaar, autor de um novo livro sobre a RAF. "Não tenho a certeza se terão força para o fazer".
A ferida
"A questão é como lidamos com 1977? 1977 não foi esquecido e ainda é uma ferida profunda na alma alemã", acrescenta Butz Peters, também autor de três livros sobre os Baader-Meinhof, ouvido pelo Washington Post. Os alemães nunca entenderam porque é que jovens estudantes universitários, filhos de famílias de classe média e fascinados pelo Maio de 68 se transformaram em terroristas fanáticos, decididos a derrubar "o Estado capitalista" e a fazer a revolução em nome de um operariado que nada lhes pedira. "Em Oberursel havia famílias muito, muito bem colocadas no mundo dos negócios, e no entanto todos os seus filhos eram comunistas", explicou ao WP Hans-Georg Brum, antigo membro do movimento estudantil. "Foram tempos muito estranhos. Éramos todos muito críticos da sociedade. A questão é, até onde se pode ir? Podemos tornar-nos violentos?".
Andreas Baader e a sua namorada Gudrun Ensslin achavam que sim. Não bastava gritar contra a guerra do Vietname, contra o capitalismo e a Coca-Cola, defender o amor livre, e pedir a revolução. Era preciso atacar o Estado, e obrigá-lo a uma resposta brutal. Aí, acreditavam, o povo veria a sua verdadeira natureza e a revolução aconteceria. Apesar de não ter o seu apelido no nome do grupo, muitos consideram Gudrun Ensslin o verdadeiro cérebro por detrás da criação dos Baader-Meinhof em 71. Andreas é mais frequentemente descrito como alguém que desde os tempos de escola fazia tudo para chamar a atenção. E Ulrike Meinhof era uma conhecida jornalista de esquerda, mãe de duas filhas gémeas e marcada pela culpa de ter uma vida demasiado burguesa.
Em 1977, depois do fracasso de um desvio de avião destinado a conseguir a libertação dos dirigentes presos, Baader, Ensslin e Jan-Carle Raspe suicidam-se na prisão. Ulrike Meinhof matara-se no ano anterior.
Nas décadas seguintes, outros membros do grupo foram sendo libertados, alguns reintegraram-se na sociedade, tentaram ultrapassar o "Outono alemão", reconheceram o fracasso. Brigitte Mohnhaupt e Christian Klar ficaram. Recentemente, Klar enviou uma mensagem a uma reunião marxista em Berlim, na qual apelava à "total destruição dos objectivos capitalistas". Brigitte não falou. Nem para atacar o capitalismo, nem para pedir desculpas. Impossível saber o quanto mudou desde que há 30 anos bateu à porta da casa de um banqueiro com um ramo de rosas na mão e uma metralhadora às costas.