E 50 Cent esteve (mesmo) no Restelo e foi numa versão familiar e intimista
À quarta foi de vez. Depois de três cancelamentos, o Festival Hip-Hop 50 Cent e Amigos realizou-se. 50 Cent, Busta Rhymes e Akon subiram a palco. Ausente, o anunciado Boss AC
a Depois de toda a polémica, de três cancelamentos e outros tantos adiamentos, o Festival Hip-Hop 50 Cent e Amigos encerrava, antes de tudo o mais, uma incógnita: estaria realmente a estrela, na noite de 22 de Março, no Estádio do Restelo? Estariam com ele Akon e Busta Rhymes, os outros pesos-pesados americanos anunciados? Uma conferência de imprensa conjunta de 50 Cent e Akon, durante a tarde, confirmou que sim. Perto das nove da noite, já no recinto do festival, a nada discreta chegada de vários automóveis de luxo aos bastidores do palco, montado junto à bancada norte do Estádio do Restelo, não deixou espaço para dúvidas. Os Força Suprema e a estrela de R&B angolana Anselmo Ralph já tinham passado rapidamente pelo palco - duas canções para os primeiro, três para o segundo -, quando se ouviram pelas colunas de som os característicos disparos de revólver, imagem de marca de 50 Cent. O escasso público, cerca de 500 pessoas por aquela altura, rejubilou. O homem tinha chegado. O espectáculo continuaria dentro de momentos.Durante o tumultuoso processo que conduziu à realização do festival, a promotora do mesmo, a angolana Casablanca, foi acusada de forma recorrente de falta de profissionalismo. Eis algo que não se poderá dizer dos artistas em palco: 50 Cent, estrela maior do hip-hop norte-americano, Busta Rhymes, respeitadíssimo patriarca do género e Akon, criador de singles em rotação intensa na MTV e afins - todos eles habituados a tocar para dezenas de milhares de pessoas. Subiram ao palco, depararam-se com as escassas centenas que ocupavam o espaço à sua frente e que polvilhavam as bancadas e não se deixaram "intimidar" pelo ambiente vagamente assemelhado a festa popular de pequena junta de freguesia.
Subíamos ao bar do estádio e a família sorridente que, habituada a servir adeptos de futebol ao fim-de-semana, acolhia desta vez fãs de hip-hop, publicitava e elogiava os cachorros quentes: "Estão sempre a sair." Regressávamos às bancadas e lá estava ele, 50 Cent, acompanhado pelo seu companheiro na G-Unit, Tony Vayo, a passar por hits como Candy shop ou In tha hood, a anunciar o seu filme, Get Rich or Die Trying, nos ecrãs que ladeavam a palco, ou a provocar o público feminino à medida que ia atirando pedaços de roupa - acabou em tronco nu e descalço, que os ténis foram a última "prenda" oferecida antes do fim do concerto. Ao longo de uma hora, contou as suas histórias de violência no gueto, de sexo desbragado na high society, trouxe os baixos gordos e os ritmos compassados, agressivos, que lhe conhecemos dos discos. "Das últimas duas vezes que estive em Portugal, toquei para muita gente. Agora, estou a experimentar um ambiente mais intimista", disse a determinado momento. Cortesia. The show must go on e 50 Cent, homem que subiu a pulso no competitivo mundo do hip-hop norte-americano, sabe-o bem. Sabe-o ele, sabem-no Busta Rhymes e Akon.
Tendo em conta os antecedentes, "surpresas" era algo que a maioria dos presentes no Estádio de Restelo esperavam. Naturalmente, não faltaram. 50 Cent, que, dado o estatuto de cabeça de cartaz, se esperaria ser o último a actuar, foi o primeiro grande nome em palco, "culpa" dos horários do voo que o levaria até Luanda, onde actuou ontem. O português Boss AC, anunciado desde a primeira hora nos cartazes de promoção, não compareceu e a ausência não foi explicada - André Campos, da Praça das Flores, responsável pelo agenciamento do músico, afirmava ontem ao PÚBLICO que "Boss AC nunca esteve confirmado para o festival", referindo terem-se registado apenas "contactos preliminares com a promotora", nunca concretizados.
Última surpresa: Busta Rhymes e Akon. Vimos os dois em palco, mas não exactamente como esperaríamos. Em vez de concertos separados, um inesperado dois em um. "Alguma vez pensaram ver dois espectáculos num só?", atirou Busta. Pois, não esperávamos - por alguma razão o mestre-de-cerimónias do festival, depois de elogios à promotora Casablanca e "ao maior festival de todos os tempos", que "muitos não queriam ver realizado", prometeu "uma noite inesquecível". "Um dia hão-de falar dela aos vossos filhos", acrescentou. Talvez o façamos. Pela possibilidade única que foi ver três estrelas hip-hop em concerto quase privado, mas também pelo furacão do inspirador Busta Rhymes, generoso nos elogios ao claramente inferior Akon - autor de hits açucarados, "fabricados" entre Nova Iorque e Kingston - e incrivelmente enérgico, tremendamente talentoso.
Tem quase duas décadas de carreira, mas "atacou" o palco com a urgência de novato com tudo a provar. Vagueou pela soul, deixou-se enredar pelas sugestões reggae do baixo e fez do groove do hip-hop old school o centro das atenções. O público seguiu-o a cada passo e Akon, sabiamente, remeteu-se à sombra perante o carisma do veterano. Nos cartazes, 50 Cent era a estrela maior. No estádio do Restelo, algumas centenas aclamaram Busta Rhymes como o herói da noite. Foi o derradeiro imprevisto de um dos mais atribulados festivais de que há memória.