Torne-se perito

Escravos Turistas regressam à porta de Elmina

Em 1807, a Grã-Bretanha aboliu a escravatura. Duzentos anos depois, no Gana ainda se analisam os impactos

a Arrastados até a uma "porta sem regresso", milhões de africanos embarcaram de sítios como este camuflado forte em Elmina, no Gana, para uma vida de escravidão no Brasil, nas Caraíbas e na América.Um raio de luz vindo da mesma porta corta o ar de um pequeno e gelado compartimento agora visitado por cerca de 30 turistas.
"Temos muita sorte. Hoje podemos voltar a sair desta sala pelo caminho que viemos", diz Robert Kugbey, o guia de voz suave.
Como os britânicos celebram o bicentenário da abolição da escravatura a 25 de Março, os ganeses continuam a discutir o impacto da escravatura para o desenvolvimento do seu país e o papel de alguns africanos na captura e venda de outros companheiros do continente.
A paisagem de Elmina, construída por portugueses em 1482 e mantida mais tarde por alemães e britânicos, é pitoresca, com barcos de pesca a flutuar num mar de uma praia de areia branca delineado por palmeiras.
Mas Elmina tem uma história brutal - partilhada por outros fortes de escravos no leste da costa africana, portos da Europa Ocidental e aquilo que ficou conhecido como o Novo Mundo, a América - num mercado triangular que alimentou os impérios coloniais europeus.
Vendidos para fins de escravatura por tribos rivais, ou capturados durante conflitos internos, os escravos africanos podiam ser obrigados a aguentar uma longa viagem para a costa ou então semanas numa masmorra costeira antes de uma penosa viagem marítima, acorrentados nos porões de um navio europeu.
As estatísticas variam amplamente, mas acredita-se que algures entre 10 e 28 milhões de africanos foram expedidos através do oceano Atlântico entre o século XV e XIX.
Muitos morreram no caminho. Os que sobreviveram aguentaram uma vida de trabalho penoso nos campos de açúcar, tabaco e algodão.
Na terra que hoje se chama Elmina, o oceano revira-se sob um céu azul claro, a brisa sopra, e naquilo que já foram os aposentos de um governador, Kugbey conta à sua audiência histórias que nunca perdem o seu poder perturbador, por muitas vezes que tenham sido contadas.
Dirigindo-se àquela varanda todas as noites, o governador escolhia uma escrava das que estavam no jardim, conta Kugbey: "Sempre que ele quisesse violar um dos escravos, ele só tinha que escolher um."
Cerca de 150 dos mil habitantes do forte, dos quais 400 eram mulheres, viviam nesta masmorra, onde a única ventilação vinha de uma única abertura.
Em tempos coberto por fezes, vómito, urina e sangue menstrual, este chão de pedra parece agora tranquilo, para os turistas que passeiam.
"Quando morriam, eram atirados ao mar. Diziam que se lhes dessem comida, eles iam lutar. Alguns recusavam-se a comer, outros preferiam morrer", diz Kugbey.
Nos andares superiores do forte, acima dos corpos acorrentados, o governador e os seus soldados rezavam numa capela. "Depois de comprarem e venderem seres humanos, vinham para cá rezar a Deus. Onde estava Deus nessa altura?", pergunta o guia ganês.
Compensação?
O envolvimento britânico no comércio de escravos não terminou com a abolição de 1807 e uma lei ainda mais apertada seguiu-se em 1833. A escravatura continuava, também, noutros países (ver texto ao lado).
Os governos dos países que já estiveram directamente envolvidos no negócio da escravatura têm evitado comentar esse problemático capítulo na sua história, receosos de potenciar uma situação em que sejam obrigados a pagar enormes compensações financeiras aos descendentes das vítimas.
"Eles devem-nos um pedido de desculpas, eles têm que nos compensar. Tomaram os nossos homens, aqueles que eram esclarecidos e que poderiam aprender. Se não fossem para a escravatura, eles poderiam ter ficado e produzido melhorias aqui. Foi uma drenagem cerebral", diz Alex Adi Aboagye, um farmacêutico ganês de 65 anos, a visitar, pela primeira vez, Elmina.
Algumas pessoas referem a perda de gerações de homens e mulheres, para a escravidão, como justificação para os problemas económicos e o lento desenvolvimento em África.
No entanto, também os africanos desempenhavam um papel activo na escravatura. Segundo Kugbey, este negócio já existia antes de os europeus terem chegado - apesar de a escravatura que era praticada pelos africanos ser muito menos severa do que a europeia. "Com aquele tipo de escravatura, nós éramos apanhados em qualquer sítio, podíamos ser mortos, raptados ou até torturados", diz. Para muitos comerciantes africanos, era uma simples questão de dinheiro.
"Nós éramos seduzidos. Podes ficar com dinheiro ou podes recusá-lo. Nós ficamos com o dinheiro", diz Richard Noi, um professor de 28 anos, um dos turistas de visita ao forte.
"Ainda hoje, crianças ganesas são traficadas para a pesca, vendidas pela pobreza dos seus pais, numa forma de escravatura moderna", acrescentou Kugbey.
Para os turistas britânicos presentes, Elmina é uma recordação de um tempo em que o império britânico se espalhou aos quatro ventos: alimentado pelo mercado e ambição colonialista e exploração.
"Sentimos que tínhamos que vir, isto é parte da história que partilhamos, uma parte da história de que não nos orgulhamos", diz Anne Wilkins, uma professora britânica, numa curta expedição a uma escola ganesa. "É importante cá vir, na medida em que ajuda a colocar as coisas em repouso", diz Wilkins. "É horrível pensar que as pessoas eram tratadas desta forma."

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