Não está sempre a altura da sua ambição (ser um "projecto plástico" pelo menos tanto quanto um "projecto narrativo"), e em última análise deixa-se banalizar mais do que devia. Mas há uma obstinação, um sentido de risco, e uma ideia de "fusão de imaginários" (temática e visualmente) que, se não chegam para superar a impressão de que "O Último Capítulo" é um filme falhado, fazem dele um falhanço interessantíssimo. Os primeiros quinze minutos, por exemplo, chegam para deixar qualquer um entusiasmado - ainda sem sabermos nada sobre o que fazem ali nem qual o seu papel na história, encontramos um grupo de conquistadores espanhóis num estilo visual que está algures entre a exuberância eléctrica de um "first person shooter" de jogo de computador e o hieratismo artesanal e artificioso de algumas encenações históricas europeias (parece incompatível, pois parece, mas é o facto de tantos nos lembrarmos de jogos de computador como de Bresson ou Rivette que faz com que passemos o primeiro quarto de hora de "O Último Capítulo" num estado próximo da estupefação)As coisas começam-se a clarificar depois. São várias as camadas narrativas do filme de Aronofsky, entre realidade, sonho, "décalages" temporais várias. Um cientista (Hugh Jackman), perdido de dor pela doença mortal da mulher (Rachel Weisz), vive obcecado pela ideia de encontrar o equivalente químico da "árvore da vida", fonte de vida (terrena) eterna e morte da morte - e é por este fundo melodramático que, entram, meio em "flashback" meio em delírio febril, os católicos espanhóis que há meia-duzia de séculos teriam encontrado a dita árvora algures na América central. Uma estrutura de "filme-puzzle", portanto, mas daqueles casos em que o todo acaba por ser menos interessante do que a soma das partes. Aronofsky estica a corda demasiado, imiscui miticismos "new age" um pouco serôdios, e feitas as contas os segmentos contemporâneos são banais. Mas é um filme com momentos fulgurantes na sua pujança plástica e nos seus desenhos obsessivos e repetitivos (o que aqui é uma virtude), na sua conciliação de um universo tecnológico e de um artifício de estúdio (numa época em que o artifício passou a ser uma questão "virtual", eis algo que o coloca também como questão "artesanal"), na força de certos planos que só lá estão "porque sim" (pensamos num longo "travelling" "mudo" de Jackman pela rua).
Em todo o seu desiquilíbrio, há uma poesia estranha e invulgarmente tocante no filme de Aronofsky. Pela nossa parte, não lhe dizemos não.