Maior ovação da ModaLisboa para Filipe Faísca e a sua visita de reinvenção a Portugal
Domínio masculino dos primeiros dias de desfiles, depois do arranque com Alexandra Moura, quebrado por Ana Salazar, de novo a solo e a adorar o que faz
a Filipe Faísca, o criador que se ausentou da ModaLisboa entre 1991 e 2006 para, entre outras artes, se dedicar aos figurinos teatrais, não precisou de recorrer a qualquer golpe de teatro para conseguir a maior ovação das duas primeiras noites de ModaLisboa. Quando os manequins voltavam aos bastidores com os feltros, os lenços e os vestidos de corpete que o criador concebeu, Zeca Afonso pedia que viessem mais cinco e emocionava o criador e a sua equipa, comovidos pela recepção calorosa do público da ModaLisboa. Mulheres e homens carregaram passerelle abaixo uma herança portuguesa. Filipe Faísca chamou-lhe romantismo lusitano e pôs ambos os sexos de lenço na cabeça sob o chapéu ou bóina. Visitou o Portugal real e trouxe o xadrez das camisas, o feltro e o borel e misturou-os com as rendas de Calais, o denim e os padrões vichy apertados em corpetes e soltos nas caudas dos vestidos. Como arreios, os cinto faziam as vezes de suspensórios, juntando-se aos leggings dourados e às mini-saias em cima de calças. Tudo pintado a verde-seco, cinzas, vermelhos e castanhos. No final, uma ovação de pé como ainda não se tinha visto nesta 28ª ModaLisboa.
Também a trabalhar as referências portuguesas, como é seu apanágio, Nuno Gama vestiu os homens de cinzento, negro e deu-lhes luz com o amarelo. Por camadas, criou tunisinas de riscas, malhas em cores degradé, casacos de cabedal, blasers cintados ou casacas, botas de motard e de montar, apostando nos detalhes nos acessórios - os cachecóis enrolados em voltas ou mesmo sem pontas, a cruz nos jeans, os cintos com outros cintos como correntes.
Senhoras de negro
A hegemonia masculina foi quebrada por uma senhora: Ana Salazar, que agora trabalha novamente a solo, sem a filha Rita. "Sinto-me realizada, estou a fazer o que adoro fazer", disse.
Ana Salazar é uma espécie de marco temporal da moda portuguesa. É que existe um tempo antes e depois de Ana Salazar e, décadas passadas, a criadora seminal da moda made in Portugal continua a conseguir reinventar o preto. E também a forma de apresentar roupa, graças à direcção de palco de Paulo Gomes, que no final do segundo dia de desfiles consecutivos, conseguiu despertar a plateia ao eliminar o desfile e introduzir a justaposição de manequins ao longo dos 75 metros de passerelle, criando um building up único.
Engalanadas pelas jóias de Valentim Quaresma, as silhuetas fluidas mas estruturadas que a criadora propõe para o frio do fim deste ano são em negro, vermelho escuro, cobre e negro outra vez. Os vestidos são curtos ou longos, mas reservam surpresas - uma assimetria, um detalhe de construção, um bolso escondido ou uma manga do ombro aos pés. Muito aplaudida pelo público, Ana Salazar usou pregas, tecidos ricos e texturas como as dos feltros, a pele falsa ou os devorées.
Para não fugir ao preto, a cor dominante, José António Tenente fez uma colecção mini (com muitas mini-mini-saias e mini-vestidos) e retro, com motivos gráficos simples e lineares, com uma aposta nas capas, transportadas da função de invólucro para as costas dos vestidos de noite. A colecção de homem e mulher, apresentada ontem antes do almoço, é cromaticamente estanque. O preto recebia apenas a invasão do azul eléctrico e do amarelo, que espreitam nos forros e brilham nos vestidos de cetim, sobretudo justos ao corpo.
Costura do Oriente
A única marca presente na ModaLisboa, a Lion of Porches, mostrou-se sexta-feira. Uma colecção longa em que Maria Gambina e Fernando Nunes reinterpretaram ligeiramente a imagem típica do casual bem comportado com toques mais street.
Quinta-feira, Manuel Alves e José Manuel Gonçalves puseram em prática a leitura que fizeram há meses de um livro sobre o Japão e misturaram as referências orientais com "uma vertente étnica, mais humanista" (Manuel Alves). "Tecidos lacados", ou seja, sedas com padrões floridos com lurex de efeito metálico, lãs cruas mas sobretudo o preto, sempre o preto, em vestidos curtos entre o quimono e as armaduras dos samurais. "A mulher aqui é mais austera", explica Manuel Alves, que assume o retorno a formas mais puristas. A dupla escolheu receber cerca de 90 convidados no seu atelier no Chiado ao invés de partilhar o espaço do Museu de História Natural, porque "a moda é elitista e nós achamos que a moda tem de ser para pessoas que a entendam e depois a comprem".
Na mesma noite, o convidado que a Semana da Moda Russa trouxe a Portugal, Max Chernitsov, mostrou as suas propostas street-wear com muito xadrez óptico, gorros, impermeáveis e blusões desportivos de fibra para homens e mulheres. À excepção de alguns detalhes como o uso dos suspensórios à volta dos ombros, a Leste, nada de novo.