RTP 50 anos

Quais os momentos mais marcantes da história da tv em Portugal para aqueles
cuja própria história pessoal se confunde com a da televisão?
O funeral de Sá Carneiro ou o dia em que conheceram a namorada nos estúdios?
A RTP faz hoje 50 anos

a Se lhe pedissem para apontar quais os principais momentos da história da televisão em Portugal, quais apontaria? Perante a pergunta, José Manuel Barata-Feyo hesita: "Para alguém que passou tantos anos na televisão é difícil escolher." Pondera entre algumas escolhas: "O dia em que entrei e aquele em que saí. O dia em que por lá encontrei namorada." Estas são as escolhas na história dentro da história. Depois há as outras: "A visita da Rainha Isabel II a Portugal, em 1957. A chegada do Homem à Lua. O funeral de Francisco Sá Carneiro. E toda a complexa operação que foi a cobertura do Euro 2004." Eis a nata da nata de 50 anos de TV, segundo Barata-Feyo, que logo enumera também exemplos pela negativa: "Ainda antes do aparecimento das privadas lembro-me de uma reportagem do Telejornal sobre um fogo que apanhou umas crianças sozinhas em casa, quando a mãe tinha ido a casa da vizinha ver televisão. Marcou-me o modo como a reportagem crucificou a senhora ainda com as ruínas a fumegar como pano de fundo. Este é para mim o primeiro grande exemplo da privatização das mentalidades. A partir dali valia tudo."
O funeral de Sá Carneiro
Miguel Sousa Tavares e Margarida Marante também têm dificuldade em separar as águas em relação ao que são para eles os momentos-chave da história da televisão e os momentos-chave de percursos pessoais que traçaram na TV. "O 25 de Abril, pela demagogia dos jornalistas que num dia apareciam de fato e gravata e no outro descamisados e a fumar. A introdução da cor, que foi como passar da idade da pedra para a idade do fogo. A primeira telenovela, Gabriela Cravo e Canela, que foi a única que valeu a pena ver e que teve um enorme impacto sociológico e cultural. E o funeral de Sá Carneiro." Estas são as escolhas de Miguel Sousa Tavares.
Tal como Margarida Marante, Sousa Tavares não deixa passar ao lado o ano de 1978, em que, na presidência de João Soares Louro, a RTP decidiu abrir as suas portas a uma nova geração de jornalistas de que os dois fizeram parte, juntamente com Mega Ferreira, António Peres Metello, Pedro Oliveira e Carlos Fino. "Foi uma geração que marcou muito a informação da RTP", lembra Sousa Tavares.
Margarida Marante frisa com particular ênfase o funeral de Sá Carneiro e como um dos mais marcantes acontecimentos mediáticos que Portugal já viveu a marcou a ela, então uma jovem jornalista de 21 anos, mas que já tinha a coordenação dos programas de jornalismo político. "Tinha estado no Hotel Altis na última conferência de imprensa que ele deu. Faço a última entrevista a Sá Carneiro, e, quando vou para o Lumiar, recebo um telefonema a dizer que o avião tinha caído. Coordenei a primeira equipa de reportagem de TV que chegou ao local", lembra, recordando as casas inundadas de água e lama e a "peanha de corpos fumegantes" que encontrou, imagem que nunca mais lhe saiu da cabeça.
Mas para Margarida Marante, que acabou por sair em 1990 da RTP, passados mais de 20 anos sobre o seu primeiro dia, o advento das televisões privadas, em 1992, marcou tanto a RTP como o país e o próprio Estado: "Foi um momento crucial desta história, mesmo em termos democráticos."
Aos 38 anos, em 1968, o geofísico do Instituto de Meteorologia Anthimio de Azevedo, hoje com 80 anos, viu-se transformado em vedeta de televisão. No passado fim-de-semana, quando o convidaram para uma entrevista nos velhos estúdios do Lumiar, que em breve serão fechados para sempre, a nostalgia assombrou-o. "Cruzei-me ali com toda a gente que se possa imaginar. Sinto-me ali tão em casa como no Instituto de Meteorologia", recorda a figura mais conhecida do Boletim Meteorológico.
Reciclar mentalidades
Mas para José Hermano Saraiva, o mais antigo autor e apresentador de programas em da RTP, é precisamente o fim do ciclo do Lumiar e a inauguração das novas instalações da RTP, hoje oficialmente abertas, que representam um dos três pontos mais marcantes da televisão pública. "Há 50 anos a televisão veio corrigir um atraso do povo português, foi uma reciclagem de mentalidades", diz o membro do primeiro conselho de programas da RTP que elege ainda a ligação ao satélite e a criação do segundo canal como pontos mais marcantes.
Também Herman José, confrontado com uma escolha de momentos marcantes da história da televisão, opta por escolher os seus momentos. E os outros: "O fascinante João Villaret, a sofisticadíssima Maria Leonor, as polémicas Conversas em Família de Marcello Caetano, o fascínio do teatro, com Eunice Muñoz, Paulo Renato e Laura Alves."
Eládio Clímaco também escolhe o teatro e o aparecimento de figuras como João Villaret e Vitorino Nemésio. "Nunca mais haverá comunicadores assim", diz, aludindo também ao nascimento de um paradigma de televisão inaugurado com o Zip-Zip, de Carlos Cruz, José Fialho Gouveia e Raul Solnado, que também é uma escolha de Herman José, que realça o seu impacto. Eládio Clímaco recorda ainda o lançamento da Gabriela Cravo e Canela, o aparecimento dos Jogos sem Fronteiras, em Cascais, o primeiro Telejornal, o programa Domingo à Noite ou o Festival da Canção: "Outras gerações virão, mas sentirem o que sentimos, toda a perplexidade, a novidade daqueles dias, será difícil sentirem como sentimos."
Herman lembra ainda o debate entre Mário Soares e Álvaro Cunhal, os "discursos caóticos" de Vasco Gonçalves, o "hipnotizante" José Hermano Saraiva, a descoberta do humor dos Monty Python ou "as aparições de Amália superstar". E deixa para o fim os seus momentos: o Senhor Feliz e o Senhor Contente, ao lado de Nicolau Breyner, o Tal Canal, o Tony Silva no Passeio dos Alegres ao lado de Júlio Isidro, o Serafim Saudade que cantava as letras de Carlos Paião, o Crime na Pensão Estrelinha na passagem de ano, o Casino Royale e a comenda que recebeu das mãos de Mário Soares em transmissão directa do Teatro São Carlos.

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