Torne-se perito

Juiz confirma suspeitas e envia Apito Dourado para julgamento

Valentim vai responder por 27 crimes e José Luís Oliveira por 47. Juiz de instrução validou as escutas telefónicas do processo

a Valentim Loureiro, um dos homens fortes do futebol português, vai mesmo a julgamento no âmbito do processo Apito Dourado. A decisão de ontem, do juiz Pedro Miguel Vieira, não deixa margem para dúvidas. Valentim apenas não será levado a tribunal num caso de prevaricação, relacionado com uma licença para construção de uma habitação, mantendo-se as 26 imputações de corrupção activa, na forma de cumplicidade. No total, o ex-presidente da Liga responderá por 27 crimes; o seu vice-presidente, José Luís Oliveira, por 47; e Pinto de Sousa, ex-presidente da arbitragem da Federação, por 26. Contactado pelo PÚBLICO, Valentim Loureiro não comentou a decisão. "Enquanto o processo estiver em segredo de justiça, eu não falo. Depois falarei", prometeu.O juiz decidiu ainda que apenas três situações de corrupção passiva desportiva não estão fundamentadas, arquivando as denúncias contra Rui Mendes (o árbitro cuja denúncia deu origem ao processo), Sérgio Pereira e Aníbal Gonçalves, todos árbitros de 3ª categoria. Serão 24 os réus em julgamento.
As questões principais em cima da mesa - e que poderiam provocar um autêntico efeito de cascata nos processos investigados pela equipa de Maria José Morgado - é que não convenceram o juiz. Pedro Miguel Vieira disse que a lei da corrupção desportiva é constitucional, que as escutas são válidas e que se pode aplicar a Pinto de Sousa o conceito de funcionário, enquanto presidente da Comissão de Arbitragem da Federação.
Com esta argumentação, exaustivamente defendida num despacho de 350 folhas, o juiz considerou que as teses do Ministério Público tinham consistência. Os recursos são inevitáveis, mas o processo segue já para julgamento, podendo ser marcadas as primeiras sessões ainda antes do início das férias de Verão.
Carolina no rol da acusação
A expectativa, ontem, no Tribunal de Gondomar, era grande. Mais do que o caso em discussão, tentava-se perceber as consequências de uma eventual decisão de não pronúncia nos processos que correm paralelamente. Nenhum dos advogados o dizia claramente, mas todos sabiam que qualquer decisão tomada influenciaria as investigações em curso e seria determinante para as instruções pendentes.
Agora, as discussões vão-se manter-se, mas já ao nível da Relação do Porto e do Tribunal Constitucional (TC), onde serão interpostos os recursos. O que não impedirá, mesmo assim, o início do julgamento, que se fará independentemente do tempo que os tribunais superiores levarem a tomar qualquer decisão.
A fundamentação do juiz não era ontem conhecida integralmente (só hoje é que o acórdão será enviado aos advogados e ao procurador, tendo apenas sido lida uma súmula), mas o PÚBLICO sabe que a principal questão levantada pelos advogados - a validade ou eventual nulidade das escutas telefónicas - foi respondida por remissão a um acórdão do TC. Naquela decisão, que não tem força obrigatória de lei mas foi seguida pelo juiz de instrução, o conselheiro Mário Torres defendia, enquanto relator de um processo, que o legislador, ao estabelecer as regras a que deviam obedecer as escutas telefónicas, não tinha deixado de ponderar a sua viabilidade técnica. Dizia então que os prazos de apresentação das transcrições por parte da Polícia Judiciária não podiam ser entendidos de uma forma restritiva, sob pena de o trabalho de investigação ser considerado nulo.
Foi este o argumento defendido por Miguel Vieira, que se baseou naquela decisão para validar a intercepção de milhares de telefonemas. Neste caso, recorde-se, a juíza de instrução Ana Cláudia Nogueira reconheceu, por diversas vezes, não ter tido possibilidade de acompanhar as escutas telefónicas e proceder ao seu controlo efectivo.
Vieira sustentou também que o facto de as escutas terem sido requeridas com base numa denúncia feita dois anos antes não inviabilizava a sua validação. Acrescentou que, à data do início da investigação (2003), José Luís Oliveira continuava a ser presidente do Gondomar e Valentim Loureiro presidente da Liga, tal como no momento da denúncia de Rui Mendes. O exercício desses cargos fazia temer o risco de continuidade da actividade criminosa, um dos pressupostos invocados pelo Ministério Público (MP) para a autorização das escutas.
Juiz demarca-se de Morgado
O juiz de instrução terá também dito ontem, numa sessão que decorreu à porta fechada, depois de os arguidos terem pedido restrições à publicidade, que o cargo de dirigente da Federação implicava o conceito de funcionário do Código Penal. Deste modo, no caso de Pinto de Sousa, os crimes que lhe são imputados são de corrupção para acto ilícito. A decisão baseia-se no facto de a Federação ter estatuto de utilidade pública, como preconizava a acusação do MP.
Após ler a decisão instrutória, Pedro Miguel Vieira deu ainda conta aos advogados de que os três arguidos não pronunciados serão arrolados pela acusação. Idêntica qualidade terá Carolina Salgado, cujas declarações, que visavam Valentim Loureiro, foram validadas e serão tidas em conta no julgamento que se adivinha.
O juiz de instrução demarcou-se de Maria José Morgado, dizendo não partilhar a visão da magistrada, agora responsável pela coordenação do Apito Dourado, expressa numa intervenção pública há mais de dois anos, sobre os crimes que podiam ser puníveis pelo decreto-lei da corrupção desportiva. A procuradora-geral adjunta sustentou que a existência do decreto-lei afastava a punição por qualquer outro enquadramento legal. "Não partilho a opinião, o meu entendimento é outro", garantiu o juiz.

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