Afonso Pimentel Actor acidental e estrela relutante
Quando era pequeno brincava aos cineminhas e sonhava ter uma câmara. Hoje é uma promessa do cinema europeu em Berlim e ídolo das adolescentes pelo seu papel na Floribella
a Quem, há mais ou menos três anos, tivesse passado por volta da uma ou duas da manhã perto do Teatro Aberto, em Lisboa, poderia ter reparado num rapaz sentado dentro de um carro, agarrado ao volante, sem conseguir arrancar - e, provavelmente, a chorar. Uma noite, e na noite seguinte, e durante várias noites. "Foi muito duro". É assim que Afonso Pimentel - o actor português escolhido este ano para representar Portugal no Shooting Stars (jovens revelações do cinema europeu) do Festival de Berlim - recorda os dois meses e meio em que esteve a ensaiar a peça Demónios Menores, encenada por João Lourenço. "Foi muito duro, mas foi bom. Há aquele processo em que chegas ao carro e rebentas antes de ir para casa, mas depois há um dia em que a coisa resulta, e aquilo enche-te de uma maneira...". Afonso não era um estreante. Tinha 21 anos e representava desde os 12, no cinema e na televisão. Mas até ali nunca pensara sobre o que queria ser. Foi essa luta consigo próprio, pela primeira vez em cima de um palco, que o fez decidir-se. "Tomei a decisão de ser actor e pela primeira vez parei para pensar sobre como é que tinha vindo parar aqui".
Sentado numa esplanada do Jardim do Príncipe Real, em Lisboa, Afonso já arrumou na sua cabeça o "como é que vim parar aqui", mas ainda está a tentar lidar com o súbito sucesso do seu mais recente trabalho, o rapaz de cabelo espetado e ar rebelde na novela Floribella, da SIC.
Tira o boné, pousa os óculos escuros na mesa e não passará muito até aparecer uma mulher, de sorriso hesitante, um papel na mão e a pedir desculpa "mas não se importava de me dar um autógrafo?". Afonso sorri quase envergonhado, olha em redor na esperança de que não haja mais gente a reconhecê-lo, e assina o nome, o que faz abrir um sorriso rasgado no rosto da mulher.
"Já tinha feito coisas de grande exposição, mas nada como este fenómeno. Assustou-me um bocado de início. Nunca quis isto. Nunca quis estar aqui e as pessoas virem...". Mas convenceu-se de que isto também traz coisas boas, e de que "é uma fase que vai passar". E garante: "Não é um frete fazer televisão, não é um frete fazer a Floribella. É uma coisa diferente".
A carreira de Afonso Pimentel tem sido, aliás, feita de coisas bastante diferentes - dos filmes com Luís Filipe Rocha (Adeus, Pai), João Mário Grilo (A Falha), Tiago Guedes e Frederico Serra (Coisa Ruim, pelo qual foi escolhido para o Shooting Stars), ou, mais recentemente, Joaquim Leitão (20,13), a séries como Médico de Família e Ana e os Sete, passando pelo teatro. E, quando tudo começou, Afonso nem queria ser actor.
Cineminhas improvisados
Na verdade, tudo começou por causa do desejo de ter uma câmara de filmar, do "sonho de contar histórias, de criar histórias". Vinha do tempo em que tinha três ou quatro anos e em que o tio fazia cineminhas improvisados "naquelas caixas de mousse alsa ou de gelatina".
Quando tinha oito anos havia na televisão um programa, Tal Pai Tal Filho, em que pais e filhos tinham que fazer várias provas e em que o prémio era uma câmara de filmar. Afonso convenceu o pai e concorreram. Não ganharam a câmara, mas conseguiram uma viagem à Madeira. "Uma semana antes de irmos, os meus pais apareceram-me em casa com uma câmara. A partir daí foi a loucura". Filmava, fazia montagens muito básicas, devorava os making of de filmes. E, no meio disso, surgiu o casting para o Adeus Pai. "Lembro-me de ter dito à minha mãe: "deixa-me ir, mesmo que não fique pode ser que os senhores me deixem assistir"".
Ficou com o papel e entrou, involuntariamente, no mundo das crianças-estrela. "O ego foi-me sendo alimentado um pouco, ele não existia. Os actores têm um ego muito voraz, muito faminto, e eu acho que não tinha". Não esperava o sucesso, as entrevistas, o assédio. "Aos poucos fui lidando com isso, graças também aos amigos que tenho desde antes de ser actor."
Os amigos, essa vida à margem do cinema e da tv, continuou, pacatamente, mesmo quando os mesmos jornais e revistas que o tinham lançado começaram a anunciar-lhe uma morte prematura. Mas não estava morto. Os convites continuaram, e, com liceu, depois curso de Comunicação Social e estágio de realização na Endemol pelo meio, foi fazendo pequenos papéis, e recusando outros. Até ao dia em que se viu em cima de um palco - na tal peça há três anos. O papel não era fácil. Afonso representava um psicopata esquizofrénico, de 16 anos, que tinha violado e morto uma rapariga. Os nervos aumentaram quando o encenador lhe disse para ver o filme inspirado naquela peça, em que Edward Norton fazia, de forma brilhante, um papel semelhante ao seu, deslizando entre personalidades perturbadas com uma elegância que gelou Afonso.
Ele, que só "sabia representar para uma caixa", aprendeu a falar para "a fila 27, lá no fundo da sala". Durante mais de dois meses deu tudo de si. E depois "há aquele dia em que sentes que subiste um degrauzinho". "Quando se consegue é uma coisa quase física" - saiu dali a sentir-se actor.
A personagem em Coisa Ruim tem traços da que fez nessa peça: ele é o Rui e, no momento seguinte, Ismael. O mesmo rosto, o mesmo corpo, dois homens completamente diferentes. A mudança tem que passar por baixo da pele, e de repente aparecer à superfície. O papel deu-lhe um lugar entre as novas promessas europeias.
Em cima da mesa do café estão
as cenas da novela que vai filmar dali a pouco. Não quer chegar atrasado - "ninguém quer ser despedido da Floribella, não é?". Mas faltam as fotografias. E ser fotografado no Príncipe Real, onde há quem o conheça desde pequeno, é o que mais lhe custa. Decididamente, ser estrela não lhe está no sangue.
Desde 1998 que a European Film Promotion organiza o Shooting Stars, durante o Festival de Cinema de Berlim. Os jovens actores, escolhidos pelos seus países, têm oportunidade de conhecer realizadores e produtores, e de divulgar o seu trabalho. Houve estrelas cuja ascensão não parou.
Rachel Weisz Em 1998, o primeiro ano das Shooting Stars, a britânica Weisz andava por Berlim no meio de outros relativos desconhecidos. Continuou a filmar, mas a carreira manteve-se discreta até ter explodido em 2005 com O Fiel Jardineiro de Fernando Meirelles, que lhe deu o Óscar de Melhor Actriz Secundária
Beatriz Batarda A actriz, que se estreara em 1986 com Tempos Difíceis, de João Botelho, foi a escolhida por Portugal para a primeira edição, em 1998. Os anos que se seguiram foram os da confirmação, de Quaresma (José Álvaro Morais) a Alice (Marco Martins), de A Costa dos Murmúrios (Margarida Cardoso) a Noite Escura (João Canijo).
Diogo Infante Foi o segundo português escolhido. Foi em 1999. Já tinha uma carreira sólida, mas a internacionalização arrancou decisivamente a partir de 2000.
Leonor Watling A espanhola já tinha feito teatro, tv e cinema, e sido nomeada para um prémio Goya quando chegou a Berlim, em 1999. Desde então trabalhou com vários realizadores, dentro de fora de Espanha, incluindo Almodóvar (Fala com Ela e Má Educação).
Mathieu Demy O filho dos realizadores franceses Agnès Varda e Jacques Demy foi shooting star em 1999, e a carreira tem prosseguido ao ritmo de vários filmes por ano.
Daniel Craig O "blond Bond" foi considerado uma promessa em 2000. Não parou mais: no ano seguinte estava a filmar com Sam Mendes, em 2005 entrava em Munique, de Spilberg e 2006 foi o ano da polémica e da consagração, como James Bond em Casino Royale
Stefano Accorsi O italiano foi destacado em Berlim em 2001, já depois de ter entrado no filme Capitães de Abril, de Maria de Medeiros, e em O Quarto do Filho, de Nanni Moretti. Tem continuado a carreira, trabalhando sobretudo com realizadores italianos.
Ludivine Sagnier Foi em 2001, ano em que entrou em Oito Mulheres, de François Ozon, que Sagnier fez parte das promessas europeias. Depois disso fez vários filmes em França e, nos EUA, Peter Pan, de P.J. Hogan.
Daniel Brühl O Alex de Good Bye Lenin, sobre a ex-RDA, foi uma shooting star em 2003, e no ano seguinte estava a filmar com Judi Dench. A partir daí, filmou em França, Espanha, Reino Unido e Rússia.
Desde 1998 que a European Film Promotion - criada no ano anterior com o objectivo de promover o cinema europeu, e os seus actores - organiza o Shooting Stars, durante o Festival de Cinema de Berlim. Os jovens actores, que são escolhidos pelos respectivos países, têm oportunidade de conhecer realizadores e produtores, e de divulgar o seu trabalho. O Shooting Stars faz este ano dez anos e o representante de Portugal é o actor Afonso Pimentel. Desde 1998 houve outras estrelas - algumas cuja ascensão não parou.
Rachel Weisz - em 1998, o primeiro ano das Shooting Stars, a britânica Weisz andava por Berlim no meio de outros relativos desconhecidos. Continuou a filmar, mas a carreira manteve-se discreta até ter explodido em 2005 com O Fiel Jardineiro de Fernando Meirelles, que lhe deu o Óscar de Melhor Actriz Secundária no ano passado
Melvil Poupaud - cruzando-se nas festas e nas entrevistas com Rachel Weisz em 1998 andava o francês Melvil Poupaud. Não era um novato: estreara-se no cinema aos 10 anos, e aos 15 já tinha sido nomeado para um César. Tinha já trabalhado com Jacques Doillon, Jean-Jacques Annaud, Eric Rohmer, Raoul Ruiz. Depois de 98 entrou também no universo americano, trabalhando com James Ivory e Zoe Cassavetes.
Beatriz Batarda - a actriz, que se estreara em 1986 com Tempos Difíceis de João Botelho e seis anos depois com Vale Abraão de Manoel de Oliveira, foi a escolhida por Portugal para a primeira edição das Shooting Stars. Os anos que se seguiram foram os da confirmação, de Quaresma de José Álvaro Morais a Alice de Marco Martins, passando por A Costa dos Murmúrios de Margarida Cardoso e Noite Escura de João Canijo.
Diogo Infante - foi o segundo português escolhido para integrar os novos talentos em ascensão na Europa. Foi em 1999. Já tinha uma carreira sólida, mas a internacionalização - em vários trabalhos em co-produções com Espanha, França, Holanda, Reino Unido, Brasil, Cabo Verde - arrancou decivisamente a partir de 2000.
Leonor Watling - a actriz espanhola já tinha feito teatro, televisão e cinema, e tinha sido nomeada para um prémio Goya quando chegou a Berlim, em 1999. Desde então trabalhou com vários realizadores, dentro de fora de Espanha, incluindo Pedro Almodovar, com quem fez em 2001 Fala com Ela, e em 2003 Má Educação.
Mathieu Demy - o filho dos realizadores franceses Agnès Varda e Jacques Demy foi shooting star em 1999, e a carreira tem prosseguido ao ritmo de vários filmes por ano, quase todos com realizadores franceses, à excepção de Alguns Dias em Setembro, uma co-produção com Itália e Portugal
Daniel Craig - o "blond Bond" foi considerado uma promessa do cinema europeu em 2000. Não parou mais: no ano seguinte estava a filmar com o americano Sam Mendes, em 2005 entrava em Munique, de Steven Spilberg e 2006 foi o ano da polémica, primeiro, e da consagração, depois, como James Bond em Casino Royale
Stefano Accorsi - o actor italiano foi destacado em Berlim em 2001, já depois de ter entrado no filme Capitães de Abril, de Maria de Medeiros, e em O Quarto do Filho, de Nanni Moretti. Tem continuado a carreira, trabalhando sobretudo com realizadores italianos
Ludivine Sagnier - foi em 2001, no ano em que entrou em Oito Mulheres de François Ozon que Sagnier fez parte das promessas europeias de Berlim. Depois disso fez vários filmes em França e, nos EUA, Peter Pan, de P.J. Hogan
Daniel Brühl - o Alex do filme Good Bye Lenin, sobre a ex-RDA, foi uma shooting star em 2003, e no ano seguinte estava a filmar com Judi Dench, tendo, desde então, filmado em França, na Alemanha, em Espanha, no Reino Unido e na Rússia