descobertas da história da evolução humana
Pode parecer uma árvore com os galhos arrumados. Mas nem a árvore da evolução humana é linear, nem o homem é um ramo predestinado. Apesar da descoberta de fósseis cada vez mais antigos, que remetem para os primórdios da humanidade, desconhece-se a origem exacta dos humanos. Qual dos australopitecos originou a linha do género "Homo"? Ou será que ela começou antes dos australopitecos? Não se sabe qual foi o último antepassado comum ao homem e ao chimpanzé nem onde arrumar achados como o Toumaï ou aquele que apresentaram como o avô da humanidade, o "Orrorin tugenensis". Nem se sabe por que desapareceram os Neandertais nem se eles contribuíram para o que somos hoje.
1 O homem do vale de Neander 1856, Alemanha
Descobriram-lhe os primeiros ossos no vale de Neander, perto de Düsseldorf, e assim ganhou nome uma nova espécie de humanos. Para o arqueólogo português João Zilhão, da Universidade de Bristol (Inglaterra), é dos achados mais importantes "pelo reconhecimento da existência de uma humanidade fóssil, colocando o homem no quadro da teoria da evolução que por então publicava Darwin". Dava também início a uma disputa científica, que perdura: o homem de Neandertal extinguiu-se há 27 mil ou 28 mil anos, mas teremos herdado algo dele? É um dos nossos antepassados ou um beco sem saída no labirinto da evolução? Descobriram-se outros esqueletos na Europa e no Médio Oriente, o único espaço ocupado pelos Neandertais, surgidos há 300 mil anos. Alguns dos últimos viveram em Portugal e Espanha. Mas, em 1999, a datação de crânios achados numa gruta na Croácia (Vindija) apontou para 27 mil anos, o que significa que sobreviveram em certos locais da Europa central até tão tarde como na Península Ibérica.
2 Um moderno em Cro-Magnon 1868, França
O homem de Cro-Magnon é a forma mais antiga de humanos da nossa espécie na Europa, onde chegou vindo da Ásia e de África, onde há marcas da sua presença desde há 35 mil anos. Era um Homo sapiens sapiens, ou homem moderno, a outra maneira de designar a nossa espécie.
3 De pé em Java 1891, IndonésiaO holandês Eugène Dubois encontrou-o em Trinil, na ilha de Java. De início, baptizou-o como Pithecanthropus erectus, mas ficaria conhecido como Homo erectus. Foi visto como um elo perdido entre nós e os nossos antepassados mais remotos. Em 1994, datações de fósseis achados em Modjokerto e Sangiran (Java) revelaram que a primeira saída de África do Homo erectus foi há 1,8 milhões de anos. Foi lá que surgiu, e de lá se espalhou pela Ásia e Europa, até desaparecer há 400 mil anos. Ou talvez essa seja apenas a parte principal da história, a que se acrescentou um capítulo em 1997: a datação de fósseis de Ngandong (Java) revelou que os últimos erectus na ilha sobreviveram afinal até há 27 mil anos. "Foi o isolamento geográfico de algumas ilhas da Indonésia que foi determinante. Ou seja, há 27 mil anos havia Homo sapiens e ainda havia Neandertais e Homo erectus, apesar de estarem a desaparecer"", explica a antropóloga Eugénia Cunha, da Universidade de Coimbra.
4 O homem de Pequim 1921, China As dúvidas de que os fósseis do Homo erectus poderiam contar a história da existência de outra espécie de humanos desvaneceram-se com o homem de Pequim. Perto da capital chinesa, encontraram-se uns dentes, que o canadiano Davidson Black atribuiu a um novo hominídeo, o Sinanthropus pekinensis. Nas décadas seguintes, mais vestígios, incluindo crânios, confirmaram que os homens de Pequim e de Java eram erectus. Para Luís Raposo, do Museu Nacional de Arqueologia, em Lisboa, há ainda outro motivo para destacar estes achados: "Pelo impacto que tiveram na Cúria Romana, especialmente através do padre Teilhard de Chardin, que conseguiu que a Igreja Católica aceitasse finalmente, na década de 40, o evolucionismo, em geral, e a evolução do homem."
5 A criança de Taung 1924, África do Sul
Ficou célebre por ser o primeiro fóssil de um australopiteco. Raymond Dart, da Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo, recebeu um pacote da pedreira de Taung com um crânio, que logo reconheceu como uma espécie e géneros novos. Com quase dois milhões de anos, chamou-lhe Australopithecus africanus". "Apesar de Dart estar convencido de que a criança de Taung era um hominídeo, foi preciso esperar quase um quarto de século para que os antropólogos a reconhecessem como um antepassado humano e não um símio antigo", lembra Richard Leakey, filho dos famosos paleontólogos Louis e Mary Leakey, em The Origin of Humankind. "Provou que, no processo de hominização, a aquisição do bipedismo havia precedido a expansão do volume do cérebro", sublinha João Zilhão.
6 Médio Oriente na rota dos modernos anos 30, Israel
Nas grutas de Qafzeh e de Skhul, no Monte Carmelo, encontrou-se o conjunto de humanos modernos mais antigos: os fósseis tinham cerca de 100 mil anos. Noutro sítio do Monte Carmelo, em Tabün, ficaram fósseis de Neandertais com 90 mil anos. Coexistiram, e a questão é saber se se cruzaram ou não.
7 Zinjanthropus boisei
1959, Tanzânia
Foi o primeiro fóssil da família humana antiga a ser identificado na África oriental, por Mary Leakey. Por essa razão, é o fóssil mais célebre do desfiladeiro do Olduvai. Tem quase 1,8 milhões de anos e, como pertencia a uma forma de australopiteco, acabou por ser chamado Australopithecus boisei.
8 Um africano habilidoso anos 60, Tanzânia
Outro dos filhos dos Leakey, Jonathan, encontrou um pedaço de crânio de outro tipo de humano, com 1,6 milhões de anos, no Olduvai. "O meu pai concluiu que, embora os australopitecos façam parte dos antepassados dos homens, este exemplar representava uma linha que acabaria por dar origem aos humanos modernos. Apesar das objecções dos colegas, decidiu chamar-lhe Homo habilis, e foi o primeiro do género a ser identificado", relata Richard Leakey.
9 Lucy 1974, EtiópiaFestejavam a descoberta do fóssil de uma fêmea na zona de Hadar, com música e bebida. Tocava "Lucy in the sky with diamonds", dos Beatles. E alguém se lembrou de chamar Lucy ao esqueleto que a equipa do francês Maurice Taieb e do norte-americano Donald Johanson acabava de encontrar. Viveu há três milhões de anos, tinha um metro de altura, 30 quilos e era bípede. "Até à descoberta de Lucy, os antropólogos não tinham uma prova tangível deste modo de locomoção numa espécie humana com mais de dois milhões de anos. Os ossos da bacia, das pernas e dos pés de Lucy foram indícios essenciais", conta Leakey.
10 Bípedes 1976, TanzâniaNa Tanzânia, em Laetoli, Mary Leakey descobriu pegadas humanas com 3,6 milhões de anos, preservadas em cinzas vulcânicas. Quem as fez era bípede, e a descoberta de Australopithecus afarensis em Laetoli reforçou essa ideia. "O final do século XIX e início do XX foi dominado pela crença, com raras excepções, entre as quais a de Darwin, de que o homem teria tido origem na Ásia. As descobertas africanas foram um choque", resume Luís Raposo. "Começaram por ser repudiadas, foram depois aceites com relutância, chegando a pretender-se que a humanidade poderia ter tido múltiplas origens, na Ásia e em África, e só na segunda metade do século XX se reconheceu a única origem africana do género Homo." Somos todos africanos: ou porque já saímos de África como homens modernos ou porque evoluímos noutras partes do mundo a partir do Homo erectus.
11 O rapaz do Turkana 1984, QuéniaPerto do lago Turkana, a equipa de Richard Leakey descobriu o esqueleto quase completo de uma criança, com 1,6 milhões de anos. Morreu aos nove anos de idade. Era de um Homo erectus. "Não dispúnhamos de nenhum esqueleto humano tão completo para o período anterior aos Neandertais, ou seja, com mais de 100 mil anos", lembra Leakey. "A criança do Turkana deu-nos uma ideia muito precisa da anatomia dos homens que viveram há 1,6 milhões de anos. Os representantes da espécie Homo erectus eram altos, atléticos e dotados de uma musculatura poderosa."
12 Às portas da Europa 1991, República da Geórgia
Até hoje, os achados do Homo erectus na aldeia de Dmanisi têm revelado que os humanos saíram de África há 1,8 milhões de anos. É o humano mais antigo fora do continente africano, como, uns anos depois, se confirmaria em Java. "Os achados de Dmanisi demonstram a existência da humanidade há quase dois milhões de anos à porta da Europa", diz Luís Raposo.
13 Europeus 1994, Espanha Na serra de Atapuerca, perto de Burgos encontraram-se ossos com 800 mil anos, o que mostrou que os humanos ocupavam a Europa ocidental há mais tempo do que se supunha. Era o Homo antecessor. Para Juan Luis Arsuaga, co-director do projecto de investigação de Atapuerca, o antecessor é também o antepassado comum da nossa espécie e dos Neandertais. Originário de África, veio para a Europa, onde terá dado origem ao Homo heidelbergensis (identificado em 1907) e este aos Neandertais. Em África, o antecessor acabaria por desembocar no homem moderno, que depois de lá saiu, mas esta é uma hipótese sem fósseis africanos que a confirmem. Desde os anos 70 que se encontram também ossos do heidelbergensis em Atapuerca, com quase 500 mil anos.
14 O maxilar de Abel 1995, ChadeFoi o primeiro fóssil da grande família humana a ser encontrado a oeste do vale do Rift e teve o poder de invalidar a hipótese de que o berço da humanidade tinha sido no leste africano. Abel, o nome popular do Australopithecus barhelghazali, com 3,4 milhões de anos, estava a 2500 quilómetros a oeste da enorme falha geológica do Rift. O achado deitou por terra a tese do East Side Story, defendida pelo francês Yves Coppens.
15 Surpresa 1996, EtiópiaCom 2,5 milhões de anos, Australopithecus garhi foi encontrado ao lado de ossos de animais que tinham sido abertos para lhes extrair o tutano. "Levantavam a hipótese do uso de instrumentos para abrir os ossos", explica Eugénia Cunha. Pode ter sido o primeiro utilizador de ferramentas. Garhi significa "surpresa" na língua da região onde foi encontrado.
16 Instrumentos 1997, Etiópia Há cerca de 2,5 milhões de anos, um antepassado humano já fabricaria instrumentos de pedra. Uma prova está nos instrumentos de Gona, na Etiópia, com essa idade, como se anunciou em 1997. Mas quem os fez?
17 Lapedo 1998, PortugalPôs Portugal no mapa-múndi da evolução humana. Descoberta no vale do Lapedo, perto de Leiria, a criança morreu há 25 mil anos, ou seja, cerca de três mil anos depois da extinção dos Neandertais na Península Ibérica. Mas a equipa de João Zilhão e Erik Trinkaus, da Universidade de Washington em St. Louis, diz que o esqueleto desta criança "sapiens sapiens" tem uma mistura de traços Neandertais. O que pode fazer dela uma prova do cruzamento das duas espécies. Uma hipótese polémica.
18 Primeiros australianos 1999Foi descoberto em 1974, no lago de Mungo. No final dos anos 90, Alan Thorne, da Universidade Nacional Australiana, fez novas datações deste fóssil de um humano moderno. Revelaram que a primeira grande navegação da nossa espécie (ou de qualquer humano) até à Austrália foi há 60 mil anos. Até esta datação, falava-se de 40 mil anos. "O homem moderno chegou primeiro à Austrália do que à Europa", nota Eugénia Cunha.
19 Luzia das Américas 1999, BrasilEmbora tenha sido descoberto no final dos anos 70, em Lagoa Santa, Belo Horizonte, o crânio só foi valorizado quando, no final dos anos 90, foi feita a reconstituição facial, que mostrou traços africanos, e foi datado. Luzia, como lhe chamaram por analogia à Lucy, tem 11.500 anos. "É o fóssil mais antigo de todo o continente americano (há vestígios ocupacionais mais antigos)", diz Eugénia Cunha.
20 O primeiro avô 2000, QuéniaQuando o descobriram, nos Montes Tugen, no centro do Quénia, apresentaram-no como o avô da humanidade. Não são tanto os seis milhões de anos do Orrorin tugenensis, a que chamaram homem do milénio, que estão em causa, mas se é um membro da linhagem humana.
21 Os modernos mais antigos na Europa 2002, Roménia
Numa gruta nos montes Cárpatos, na Roménia, descobria-se um crânio com cerca de 40 mil anos. É dos fósseis mais antigos da nossa espécie na Europa, logo dos primeiros modernos a entrar aí em contacto com os Neandertais. João Zilhão e Erik Trinkaus fazem parte da equipa, e já este ano disseram que o fóssil tem uma mistura de traços anatómicos de humano moderno com Neandertais.
22 Modernos antigos 2005, EtiópiaCostuma dizer-se que os primeiros homens da nossa espécue surgiram há 150 ou 200 mil anos. Novas datações de fósseis de Homo sapiens sapiens, descobertos em 1967 no vale de Omo, dizem que têm 195 mil anos. O que os torna os vestígios mais antigos de humanos modernos. Destronaram os fósseis do homem de Herto, a vila etíope onde se encontraram crânios com 154 mil anos.
23 Toumaï 2002, ChadeCom quase sete milhões de anos, o Sahelanthropus tchadensis é agora o mais antigo membro da família humana. Viveu num intervalo de tempo crucial, mas obscuro, da evolução humana: há dez milhões de anos a Terra estava repleta de hominóides não humanos; há cinco milhões tinham aparecido os membros da família humana. Houve quem dissesse que era uma fêmea gorila.
24 O homem das Flores 2003, Indonésia
A ideia de uma ilha tão isolada que permitiu a existência de uma espécie de humanos diferente da nossa até há 12 mil anos, quanto pensávamos estar sozinhos desde o fim dos Neandertais, cativa.
25 O bebé da Lucy 2006, EtiópiaÉ o fóssil mais antigo de uma criança, com três milhões de anos, encontrado na área de Dikika. Da mesma espécie de Lucy, poderia ser seu filho.