Damos por nós a pensar nesses começos cinematográficos de Minghella, em particular no "Fantasma do Coração", durante o visionamento de "Assalto e Intromissão". Por ser impossível Minghella voltar a fazer um filme parecido. "Assalto e Intromissão" limita-se a chegar suficientemente perto do "Fantasma do Coração" (ou seja, do teatro, do casal, da intimidade) para tornar óbvio quão irremediavelmente longe está dele. Como se fosse demasiado pouco e demasiado simples, deflação inaceitável para quem traz no saco o prestígio e o estatuto que Minghella entretanto adquiriu.
"Assalto e Intromissão" é, na essência, como um pequeno filme, às vezes quase "de câmara", que Minghella não resistiu a insuflar, soprando-lhe para cima os sinais desse prestígio e estatuto - como falsas "marcas de autor" a sobreporem-se ao que, num grau mais imediato, são as marcas verdadeiras. Resulta num filme inchado, grandiloquente, um pouco oco, um pouco inconsequente, às vezes um pouco tonto. Como um grande balão que, uma vez posto a voar, não exigisse mais do que um reconhecimento: "sim, está ali, voa".
Não será coincidência que a narrativa contemple um projecto de reabilitação urbana, destinado a reformular o estatuto de King"s Cross, zona desprestigiada de Londres. O desejo da personagem de Jude Law, um arquitecto, não é muito distinto do desejo de Minghella, o realizador: vamos lá dar um sopro da nossa graça, acreditando que é isso que os outros esperam de nós. Tudo se confunde, evidentemente - redimir King"s Cross, local de cruzamento de pobres e de imigrantes, equivale à redenção de uma parcela do mundo. É, pois, sobre o novo e desfavorecido cosmopolitismo das cidades que "Assalto e Intromissão" versa. A bósnia refugiada Binoche, o seu filho assaltante vítima da má influência do tio, a prostituta russa ou ucraniana (Vera Farmiga), as mulheres a dias negras - um "cocktail" multicultural em mosaico compassivo, onde se ganhe uma consciência (a de Law) em vez de se perder, como se Minghella quisesse passar por um Michael Haneke com coração, interessado em acariciar em vez de punir (mas não se esquecesse de incluir sexo, mentiras e vídeo).
Pena que o melhor fique ao fundo, coberto de almofadas. A história de Law e da mulher, Robin Wright- a crise conjugal e doméstica, os desentendimentos e as hesitações, as incompreensões, a relação com a miúda autista que é filha dela e enteada dele. Há uma suspensão do mundo nas cenas entre os dois, paradoxalmente mais real do que todos os efeitos de real disseminados no filme. Vem da presença dos actores, sobretudo de Wright, de humor tão flutuante como Gena Rowlands nalguns Cassavetes. Mas sem asperezas, nem arestas pontiagudas - tudo isso é varrido por Minghella, demasiado convencido de que o métier de cineasta se assemelha ao de homem da limpeza.