Torne-se perito

FUGAS QUE MARCAR AM PORTUGAL

Pinheiro da CruzRasto de sangue
na mais violenta evasão

A fuga de seis condenados do Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz, em Setembro de 1985, é o marco mais sangrento relacionado com as evasões das cadeias portuguesas. Três guardas prisionais foram abatidos a tiro. Já fora da cadeia, os evadidos roubaram carros, pessoas, andaram por montes e vales.Pouco mais de um mês depois tudo voltava à normalidade: cinco foram recapturados e outro matou-se. Faustino Cavaco, ladrão de bancos e já com três anteriores homicídios, é o rosto mais visível desta odisseia, até por ter sido o autor dos disparos fatais, mas os restantes protagonistas, sem nunca assumirem algo mais do que a vaidade de participarem em algo tão violento, tiveram papel preponderante no desfecho trágico.
Passaram-se semanas desde que a fuga foi arquitectada - por Germano Ramos Raposinho e Vítor Cavaco - até a mesma ser consumada. Aos quatro presos que faziam parte do plano inicial acabaram por se juntar dois outros. Faustino Cavaco tinha, no interior da cadeia, uma pistola verdadeira. Vítor possuía uma arma feita de pau. Havia também facas artesanais. Raposinho, o principal mentor da fuga, fez abortar a mesma em várias ocasiões e foi Faustino, já em desespero, que acabou por levar tudo pela frente. A violência praticada contrasta com o amadorismo evidenciado por quase todos os intervenientes.
Após muitos dias juntos, durante os quais descuraram todas as cautelas e até tiveram acidentes de viação, os seis homens acabaram por se separar em três grupos de dois. O primeiro desses grupos foi sitiado numa vivenda, no Algarve. Um dos evadidos acabou por se suicidar ao passo que o seu companheiro se entregou.
Pouco tempo depois, num apartamento da Reboleira, Amadora, eram presos Raposinho e o parceiro, Carlos. Restavam os dois Cavacos (Faustino e Vítor), que, ao contrário do que muitas vezes foi afirmado, não eram familiares, apesar de serem ambos algarvios. Foi na sua região que ambos viriam a ser novamente presos. Acordaram numa manhã soalheira com a casa onde se acoitavam completamente cercada de polícias e entregaram-se sem resistência, mas com Faustino a lamentar sempre ter dado ouvidos ao companheiro, facto que o terá impedido de fugir de Portugal.

Vale de Judeus
Túnel de 35 metros
dá liberdade a 124
É como se fosse uma imagem de filme: a estrada descreve uma curva e, logo depois, surgem do nada, imponentes e esmagadores, os altos muros de betão da cadeia de Vale de Judeus, em Alcoentre. Só existe uma porta. Quatro torres de vigia, uma em cada canto. Durante muitos anos foi considerado o presídio de máxima segurança em Portugal. Não surpreende, por isso, que para lá fossem enviados os condenados mais perigosos. O mito da alta segurança ruiu em 1978, quando 124 presos se evadiram, depois de cavarem um túnel com 35 metros.
A fuga de Vale de Judeus, a de maiores proporções em toda a Europa, ocorreu poucos dias após a televisão ter transmitido o filme A Grande Evasão (a história de um grupo de prisioneiros aliados que escapa de um campo de concentração nazi após escavarem um túnel). Nessa noite, na sala de televisão da cadeia, alguns presos riam-se a bandeiras despregadas: a ficção das imagens estava a mostrar aquilo que alguns dias mais tarde haveria de ser realidade.
Durante 26 dias o grupo que preparava a mais espectacular de todas as fugas cavou um buraco com 80 centímetros de diâmetro que o haveria de levar, desde uma cela do Pavilhão C ao exterior do presídio. As toneladas de terra retiradas foram escondidas num sótão. Para abrirem o buraco utilizaram ferramentas desviadas da oficina. Manobraram à vontade e até chegaram a instalar luzes e uma ventoinha no túnel do "escoamento".
Após a fuga dos cérebros da operação - Zé da Tarada, Isidro, Dragão, Dedé, Muleta Negra e Manuel Alentejano -, mais de uma centena de outros presos aproveitaram o túnel. O grupo principal demorou dois dias até chegar a Lisboa. A maior parte dos restantes foi detida nos dias imediatos, após uma operação que movimentou todas as forças policiais e muitos meios militares. As estações dos comboios exibiam fotografias dos foragidos, num cenário digno do velho Oeste americano.

Coimbra
Fugitivos acrobatas
Estabelecimento Prisional de Coimbra, uma das mais antigas prisões de Portugal e, em simultâneo, uma das que reúnem maior número de condenados considerados perigosos. Em Junho de 2005, apesar os constantes protestos dos guardas prisionais, que há muito vinham alertando para as deficientes condições de segurança, cinco reclusos, quatro romenos e um eslovaco, evadiram-se durante uma operação com contornos circenses: aproximaram-se de uma das paredes e, com a ajuda de dois companheiros (propositadamente sacrificados), formaram uma escada humana, saltaram o muro e desapareceram, apesar de alguns disparos efectuados a partir de uma das torres.
Inédita, esta fuga teve ainda a particularidade de ter ocorrido em plena hora de almoço, quando todas as torres de vigia deviam estar guarnecidas, situação que, contudo, não se verificava. Uma semana depois, mas durante a madrugada, três outros presos tentaram imitar o feito. Escapuliram-se das celas com recurso a cordas feitas com lençóis e, depois de terem conseguido quebrar as grades, alcançaram o pátio e tentaram saltar o muro, sendo dissuadidos após alguns disparos dos guardas prisionais, que detectaram as sombras em movimento.
Dos evasores acrobatas soube-se, posteriormente, que teriam no exterior o necessário apoio para consumarem a fuga.

Lisboa
O voo do Corvo
e o pulo do Lobo
Fugiram três de uma vez saltando de cerca de 12 metros de altura. Foi em Abril de 2004, no estabelecimento prisional anexo à Polícia Judiciária de Lisboa. Os fugitivos, indiciados pela prática de roubos e tráfico de droga, encontravam-se numa sala específica onde costumam dialogar com os advogados.
Foi quando se encontravam a sós com um advogado que se lembraram de o ameaçar com um ferro e de o manietar, conseguindo desse modo convencê-lo a bater à porta para que um guarda prisional, iludido, a abrisse. Assim que o fez foi agredido a murro e os três homens tomaram a iniciativa de saltar.
Os 12 metros de altura haviam, no entanto, de deixar marcas em dois, com pernas partidas. Um foi recapturado no local onde caiu. O segundo ainda se arrastou por alguns metros, vindo a ser apanhado junto à Escola de Medicina Veterinária. Quanto ao terceiro, tido como o mais violento e perigoso, de alcunha O Corvo, fugiu rua fora. Enfiou pela Avenida Duque de Loulé e desapareceu, algumas centenas de metros mais abaixo, pelo túnel da estação do metropolitano do Marquês de Pombal.
Haveria de ser detido três meses mais tarde, em França, quando tentava chegar a Itália, onde a namorada, grávida, se encontrava. A história do Corvo não se resume, no entanto, a este episódio. Antes já tinha duas condenações, de 17 e seis anos, por tráfico de droga, tendo aproveitado uma saída precária do Linhó para não mais voltar. Há cerca de um ano, numa altura em que se encontrava a prestar declarações pela suspeita da prática de vários outros crimes, quis saltar novamente por uma janela: conseguiu-o, mas não foi suficientemente rápido para escapar às balas da PSP e morreu.
Uns anos antes do voo do Corvo, já Franquelim Pereira Lobo, considerado o maior traficante de cocaína da Península Ibérica, havia protagonizado uma fuga rocambolesca no momento em que se encontrava detido e entregue à guarda da PJ.
Franquelim, que fizera um acordo para denunciar grandes carregamentos de droga, não recolheu aos calabouços, antes sendo instalado num hotel da Avenida Duque de Loulé. Durante a noite, e depois de os dois polícias que o guardavam terem, sem se saber muito bem como, adormecido, saltou da varanda do quarto para a rua e, durante anos, ninguém (autoridades) mais lhe pôs a vista em cima.
Havia de ser recapturado, em 2005, no Brasil, no decurso de uma operação conduzida pela própria Judiciária. O império que construiu à base do narcotráfico ficou, durante os anos em que andou fugido, a cargo da filha e de um advogado. Estes haveriam de ser detidos, há cerca de um ano, no Sul de Espanha, onde branqueavam capitais provenientes da droga com a aquisição de centenas de imóveis.
Quanto a Franquelim, depois de inúmeras operações de segurança, chegou a Lisboa para cumprir penas e ser julgado no âmbito de vários processos, no final do ano passado.

Vale de Judeus
Como escapou o padre Frederico Cunha
A credibilidade da Igreja Católica portuguesa foi seriamente abalada quando, em 1992, o padre Frederico Cunha, um brasileiro que chegou a ser secretário do bispo do Funchal, foi detido e condenado pela morte de um menor, na Madeira. À autoria material do homicídio juntaram-se-lhe acusações de pedofilia. Seis anos mais tarde, quando havia cumprido menos de metade dos 13 anos a que foi sentenciado, aproveitou uma saída precária de Vale de Judeus e fugiu. Vive hoje no Brasil e a sua fuga é considerada como uma mancha no sistema judicial português, acusado de se ter vergado aos interesses da Igreja, via corpo diplomático.
A concessão da saída precária do padre terá sido conseguida após várias diligências da representação diplomática brasileira em Lisboa. O Tribunal de Execução de Penas acabou por aceder, mesmo tendo em conta que tal benesse nunca antes fora concedida (cumprira menos de metade da pena) a nenhum outro condenado por homicídio.
Na prisão, desdenhando possibilidades que seriam tomadas em conta para obter privilégios (tal como as saídas precárias), Frederico nunca quis trabalhar, nem mesmo na tipografia, como lhe chegou a ser sugerido. A sua saída, soube-se mais tarde, foi concedida após uma votação favorável de dois técnicos de educação e um do Instituto de Reinserção Social, contra os pareceres negativos do director da cadeia e do chefe dos guardas.
Saído da cadeia, Frederico Cunha viajou para Lisboa, para se encontrar com a sua mãe, que tinha um quarto alugado num apartamento na Praça Paiva Couceiro. Nessa mesma noite, pouco depois de uma cabeleireira local o ter visto a carregar bagagem para dentro de "um carro pequeno", terá viajado para Madrid, onde apanhou um voo para o Brasil. Na cadeia deixou todos os documentos de identificação, presumindo-se que tenha conseguido embarcar após a apresentação de duplicados.
Dois dias depois de ter regressado ao seu país, já dava entrevistas para Portugal, passeando-se na praia, vestindo calção de banho e T-shirt pretas, e clamando a sua inocência.
Por não ter nacionalidade portuguesa nunca foi possível proceder à extradição. Publicou um livro chamado Cálice de Fogo e a sua mãe um outro, Padre Frederico, Meu Filho. josé bento amaro (texto) e patrícia romão (ilustrações)

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