Prédio em Quarteira com inclinação a imitar a torre de Pisa
Cai ou não? - interrogam-se os moradores. Corrigir o que nasceu torto vai custar pelo menos 2,5 milhões de euros, mas o dono da obra emigrou
Qual torre de Pisa, o edifício Austral, em Quarteira, desviou-se cerca de 30 centímetros da vertical desde a sua construção, há cerca de cinco anos. Será que vai mesmo entrar em colapso ou ficar a desafiar as leis da gravidade? - interrogam-se os moradores, cientes de que as suas fundações assentam numa zona de areias, água e lodo, e que a principal laje que o suporta tem menos de metade da espessura prevista no projecto. Os peritos que analisaram o caso têm opiniões divergentes sobre o futuro do prédio de oito pisos. Os académicos do Instituto Superior Técnico entendem que a deslocação do edifício não ficará por aqui, enquanto especialistas da Universidade do Algarve manifestam a opinião de que a "rotação do corpo rígido deverá estar estabilizada", há dois anos. Apreensivos, os condóminos do edifício da Rua da Alagoa reúnem-se esta tarde para discutir medidas preventivas que possam evitar uma catástrofe.
A água do mar move-se debaixo de muitos prédios de Quarteira, que se encontra no mapa das zonas de elevado risco sísmico. Nenhum destes factores foi tido em consideração na construção do Austral. O dono da obra, um emigrante na Austrália chamado Walter Pinto, encontra-se em parte incerta. O alvará de licença de utilização emitido pela Câmara de Loulé baseou-se na habitual declaração do técnico responsável pela obra de que a construção tinha respeitado o projecto da sua autoria. Porém, uma peritagem efectuada em Junho passado a pedido da administração do condomínio concluiu que existe "um claro incumprimento do projecto de estabilidade" no que diz respeito às fundações. A laje que suporta o prédio, que deveria ter 35 centímetros de espessura, "tem apenas sete e 15 centímetros, consoante as zonas".
Engenheiro não estavaO engenheiro responsável pelo projecto de estabilidade e director técnico da obra, Paulo Martins, reafirma que o projecto foi cumprido, acrescentando que existem "vários factores que contribuem para o desequilíbrio e instabilidade na zona". Nos dois prédios ao lado, observou "há bombas a tirar água 24 horas sobre 24". No que diz respeito à laje, declina responsabilidades: "O betão foi efectuado por uma empresa da especialidade, não estive lá nesse dia". A maioria dos apartamentos só está habitada durante o Verão, mas as sete ou oito famílias que ali vivem em permanência queixam-se de "insónias e ansiedade", e exigiram à Câmara de Loulé que tomasse de medidas para proteger as vidas e bens.
Uma primeira vistoria municipal confirmou aquilo que todos intuíam: "Uma declinação do prédio de aproximadamente 30 centímetros em relação ao plano vertical". Mas havia mais: na garagem foi detectado o "esmagamento de todos os pilares confinantes com a via pública". Por isso, foi recomendado que, após um estudo a desenvolver por uma entidade idónea, o construtor do imóvel fosse notificado para corrigir as anomalias. Para garantir o pagamento das despesas relacionadas com a estabilização e consolidação do edifício, o Tribunal de Loulé fez o arresto dos bens de Walter Pinto. Só que os bens do dono da obra já tinham sido alvo de uma acção idêntica, por dividas ao Estado.
Com o mesmo objectivo a repartição de Finanças de Loulé mandou vender em hasta pública um terreno do construtor do Austral, Fernando José Pedro da Silva. O processo foi entregue a uma agência imobiliária, não tendo a venda ainda tido lugar. Segundo o Instituto dos Mercados de Obras Públicas e Particulares e do Imobiliário (IMOPPI) o alvará da empresa continua válido.
A administração do condomínio pediu, entretanto, a duas empresas de construção uma estimativa de custos das obras necessárias para travar a deslocação do prédio. Só para corrigir as deficiências mais visíveis são necessários 400 mil euros, mas para resolver o problema de uma vez por todas os orçamentos ultrapassam os 2,5 milhões.
O Instituto Superior Técnico, que estudou o caso a pedido da administração do condomínio, diz que "houve uma tentativa de disfarce" da deslocação que se verificou em relação ao prédio contíguo, e assinala que este tipo de movimentos, que ocorreram durante a fase construtiva de forma mais acentuada, "continuam presentemente a ocorrer". Por isso, recomendou "medidas urgentes que estabilizem os assentamentos", sob pena de o problema evoluir para "uma situação de alto risco". O município contratou uma empresa especializada para fazer a monitorização dos desvios à verticalidade durante este ano de 2007.