O novo director do Museu Berardo visto pelo meio das artes plásticas francesas
A primeira iniciativa pública do Museu Berardo é na quarta-
-feira. O francês Jean-François Chougnete, que tomará posse em Janeiro, vai estar em Lisboa para a cerimónia. O percurso do director visto
de França
Tentar antecipar o que será a acção do francês Jean-François Chougnet como director artístico do Museu Berardo começou por ser uma missão impossível. "Jean-François quê? Chougnet? Não conheço": esta foi a resposta mais ouvida numa lista de 18 críticos de artes plásticas franceses contactados em Paris. Mas, no final, esboçou-se um perfil desconcertante, decerto, mas também apaixonante do homem que vai tomar posse em Janeiro. Os que conhecem o percurso do futuro director artístico do Museu Berardo, como Ary Bellet, o destacado crítico de arte no diário Le Monde e pouco suspeito de compadrios, dão respostas espontaneamente entusiastas: "Chougnet a dirigir a colecção Berardo? Penso que é uma excelente notícia para o mundo da cultura em Portugal, como seria óptimo para a França se ele dirigisse aqui uma colecção dessa dimensão". Para Ary Bellet, "Chougnet é um tipo dinâmico, verdadeiramente apaixonado por arte contemporânea e ao mesmo tempo muito competente noutras áreas culturais, como o espectáculo ao vivo".
No Parc de La Villette, que Jean-François Chougnet dirige desde 2001 como director-geral, há também admiradores, que pedem o anonimato: "Chougnet esteve mais ligado a aspectos administrativos do Parc de la Villette, mas nestes cinco anos manifestou sempre um interesse constante pela arte contemporânea. É preciso não esquecer a sua acção determinante no sucesso do Ano do Brasil em França, em 2004, e sobretudo é preciso não esquecer que foi ele que tirou literalmente o Plateau do chão". O Plateau é um Fundo Regional de Arte Contemporânea (FRAC) do Conselho Regional da região parisiense, que organiza mostras, adquire obras e vulgariza artistas ainda pouco conhecidos.
Que alguém suscite tanto entusiasmo e seja ao mesmo tempo desconhecido de certos críticos não é contraditório, afirma Raphaël Tic, crítico de arte na revista Art Aujourd"hui: "Chougnet tem tido uma carreira profissional muito institucional. Daí que o seu nome não venha à memória de quem está mais habituado a nomes associados às luzes da ribalta". No entanto, Raphaël Tic conheceu Jean-François Chougnet pelas "suas outras actividades artísticas importantes", à margem das suas funções oficiais. "E quem segue verdadeiramente o mundo das artes sabe que ele é também conhecido pelo seu interesse pelo mundo lusófono, tanto pelo Brasil, onde organizou exposições importantes, nomeadamente sobre o Surrealismo, como por Portugal, que adora", conclui Raphaël Tic.
Um historiadorna "má vida"
Diplomado em 1981 da prestigiada Escola Nacional de Administração (ENA), viveiro dos funcionários da alta administração francesa, Jean-François Chougnet integrou nesse ano a equipa do célebre ministro da Cultura, Jack Lang. Passados quatro anos, Chougnet é nomeado administrador do Museu Nacional de Arte Moderna (MNAM) no Centro Pompidou, em Paris.
O actual presidente do MNAM, Alfred Pacquement, recorda-se ainda da chegada de Chougnet neste templo da arte onde oficiava o "papa" francês da arte contemporânea, Dominique Bozo: "Nessa época, eu era um dos conservadores do museu, e portanto chegado colaborador de Dominique Bozo. Quando vimos chegar Jean-François Chougnet, o novo administrador do museu, demos com um rapazinho muito novinho. Afinal, tivemos um administrador dinâmico com métodos inovadores na abordagem da estrutura administrativa. Chougnet representava uma geração nova que nos merecia mais atenção".
Estes anos passados no MNAM ao lado de Dominique Bozo "foram cruciais", confessou Jean-François Chougnet ao PÚBLICO, em Paris. "À partida, eu era historiador. E depois, como alguns historiadores franceses, dei na "má vida" da administração pública" diz, com uma gargalhada. "Mas nessa carreira mais institucional", prossegue, "tive a sorte de conhecer entre outros, Dominique Bozo, com quem trabalhei no MNAM do Pompidou e que é o meu mestre em matéria de arte contemporânea. Era um homem extraordinário, desaparecido prematuramente, mas que formou toda uma geração que chega hoje a postos importantes na arte contemporânea".
Curiosamente, Jean-François Chougnet sucedeu a Jean-Jacques Aillagon na administração do MNAM. Aillagon, que já foi ministro da Cultura, dirige hoje a colecção Pinault, em Veneza, uma colecção de arte contemporânea reunida pelo empresário francês François Pinault. "Acho que Aillagon e eu, começámos a Internacional dos historiadores que deram na "má vida" - ele também era historiador à partida, sabe!", ri Jean-François Chougnet.
Nesta carreira ecléctica, começada como um estágio na Embaixada de França em Lisboa, em 1979, e que passa por altos cargos da administração e pela organização de exposições, que esperar então da sua futura orientação do Museu Berardo?
Jean-François Chougnet não levanta nem uma ponta do véu. Quando muito, confessa: "Tenho ideias à partida, mas o projecto só vai adquirir contornos precisos pouco a pouco. É um verdadeiro desafio, porque não é uma colecção enciclopédica, e não se deve apresentá-la colocando obra atrás de obra nas salas. E deve-se, é claro, evitar qualquer monotonia na apresentação". Quanto às suas paixões artísticas, é segredo: "Posso dizer que o movimento Dada me apaixona mais do que o Surrealismo, mas na arte contemporânea não ouso citar nomes, porque os outros ficariam zangados!".
"Não é uma pessoa que posa ser qualificada como clássica", conclui Alfred Pacquement: "O seu percurso, os seus interesses, a diversidade das funções que ocupou até hoje, revelam uma pessoa curiosa, ávida de descobrir coisas e de forma algum conformista. Portanto, eu não apostaria num grande classicismo. Estou muito feliz com esta nomeação, que é de cariz a facilitar a abertura cultural da Europa".