Poderá Kramer sobreviver a Michael Richards?
O comediante, conhecido pela personagem, provocou no fim
de um número de stand up
uma polémica sobre racismo
e pode ter a carreira em risco
Michael Richards, conhecido como o Cosmo Kramer de Seinfeld, está em plena crise de relações públicas pelos insultos racistas que endereçou a membros da plateia que assistia ao seu espectáculo de comédia em Los Angeles. As imagens propagaram-se pelo país e pela Internet, tornaram-no alvo de fortes críticas e fizeram surgir histórias de episódios anteriores em que o actor teria alegadamente insultado os judeus e as mulheres. Muitos comentadores e fãs prevêem que a carreira de Richards acabou."Eu estava num clube de comédia a tentar fazer o meu número e fui interrompido, levei a mal e entrei numa fúria" explicou o actor na semana passada no programa de David Letterman, separando as águas entre o que estava no guião e a zanga que se seguiu. As imagens do sucedido, captadas por uma câmara de telemóvel, continuam a varrer o país e a arrasar com a boa imagem do bizarro e adorado Kramer. Geraram reacções furiosas dos representantes da comunidade negra norte-americana e mesmo de colegas comediantes.
Jerry Seinfeld, amigo de Richards, classificou as suas palavras como "extremamente ofensivas" e pediu desculpas às pessoas que se sentiram atingidas. O dono da Laugh Factory, onde o espectáculo teve lugar, categorizou o final do número como "infeliz". "Eu estava lá atrás a ver e estava sempre à espera de uma punchline (tirada final) que pudesse justificar as palavras antes dela. Ela não chegou", lamentou Paul Rodriguez.
Foi Seinfeld que pediu ao apresentador David Letterman que desse a Michael Richards a oportunidade de se explicar. O actor desculpou-se, não tentou mascarar as suas palavras como tendo sido comédia, mas contextualizou: "Eu sou um artista. Forço os limites. Trabalho de uma forma muito descontrolada em palco. Faço muita associação livre e espontaneidade". Este foi um dos programas mais vistos de sempre do talk-show de Letterman e Richards, que desde o papel em Seinfeld não teve grande sucesso, inicialmente apenas conseguia arrancar risos da audiência, apesar da sua visível consternação.
Os comentários dos americanos na Internet mostram alguns fãs mais compreensivos, mas a maioria acusa-o de racismo e decreta o fim da sua carreira. Segundo o New York Times, os comentadores do mundo do espectáculo estimam que a carreira de Richards pode ter ficado irremediavelmente danificada e especulam mesmo que a série Seinfeld, um sucesso em syndication e em DVD, pode ser afectada pelo escândalo racista.
Mau para ele, mau para todosFilipe Homem Fonseca, das Produções Fictícias, teme outro tipo de chicotada psicológica. Para o argumentista, Richards "teve um dia péssimo no trabalho" e a reacção à sua "explosão" pode ser usada pelas pessoas que se sentem incomodadas pelo humor mais arriscado para "fazer o linchamento de todos os comediantes". "Tenho medo que este incidente sirva para tentar baixar o tom da comédia do tipo da do Daily Show ou do Borat, para um revisionismo de toda a comédia politicamente incorrecta". Filipe Homem Fonseca recomenda um "período de nojo" ao actor mas também diz que "basta de pedidos de desculpa".
Um fim de carreira não parece possível ao actor Manuel Marques, que também faz stand up comedy. "É sempre possível dar a volta por cima, apesar de ser difícil", defende, ressalvando que a realidade dos Estados Unidos não é a portuguesa. Na stand up comedy "ouvimos coisas de que não gostamos e temos de nos conter e, como humoristas, temos de ter jogo de cintura", comenta, a propósito dos motivos da atitude de Michael Richards. "Já ouvi coisas de que não gostei e é preciso controlo", revela, embora reconheça que há dias em que pode ser difícil a um humorista não reagir.
Para o reverendo Jesse Jackson, uma das vozes mais conhecidas da comunidade negra norte-americana, há uma questão muito mais ampla por trás disto. "A cultura que está a produzir este tipo de animosidade contra os negros tem de ser encarada", denunciou. Já o reverendo Al Sharpton, outro famigerado porta-voz dos afro-americanos, diz que urge "começar um processo para lidar verdadeiramente com o problema continuado do racismo neste país". As organizações anti-preconceito associam este caos à polémica também levantada pelos insultos anti-semitas proferidos há meses pelo actor Mel Gibson.
Quanto a Michael Richards, fez aquilo que as celebridades americanas fazem quando se vêem realmente em apuros aos olhos da opinião pública. Contratou o relações públicas Howard Rubenstein, especialista em "gestão de crise", que o pôs logo ao telefone com Sharpton e Jackson como início de uma campanha de reabilitação da imagem do homem até aqui apenas conhecido como "Kramer".
O caso
Sexta-feira à noite, 17 de Novembro, Los Angeles. Michael Richards estava a desenrolar o seu número de stand-up comedy no clube de comédia Laugh Factory. Um grupo terá começado a gritar para o palco, dizendo que o comediante não estava a ter piada. No vídeo que circula na Internet não são visíveis as provocações, mas apenas a reacção do cómico, que lhes dá resposta com a frase "Calem-se! Há 50 anos punhamo-vos de cabeça para baixo com uma merda de uma forquilha pelo rabo acima!", aludindo aos tempos da escravatura negra e aos linchamentos. "Ponham-no na rua, ele é um preto (nigger). Ele é um preto! Ele é um preto!", continuou. Há alguns risos entre a plateia, mas também um espectador sonoramente incomodado. Richards reage também ao "ooh" indignado: "Muito bem, vêem, isto choca-vos". Quando o visado pelos primeiros insultos diz que as palavras com carga racial eram desnecessárias, Richards responde-lhe, irritado, que "o que é desnecessário é interromperem-me!" O dono do clube baniu Richards do palco até que ele se desculpasse publicamente. Mas só depois do vídeo, captado por um telemóvel e reproduzido pela TMZ.com, ter sido exibido por muitos programas de televisão e sítios na Internet entre domingo e segunda-feira. No sábado à noite, Michael Richards ainda actuou na Laugh Factory.