Luis Pastor canta Saramago "Este é o disco que eu sempre quis fazer"

Tocou com José Afonso e gravou Pessoa. Agora musicou Saramago.
O disco é posto à venda hoje em Portugal e amanhã em Espanha

Queria cantar como Joselito, mudou com José Afonso e reencontrou Portugal em José Saramago. Estes três josés marcaram a vida de Luis Pastor, espanhol de Cáceres, cantor e compositor com 54 anos, 36 de carreira e 20 discos gravados. Ou 21, a partir de hoje, com o lançamento de Nesta Esquina do Tempo/En Esta Esquina Del Tiempo, um disco-livro bilingue onde musicou catorze poemas do escritor José Saramago.O disco, que é hoje lançado no mercado português e amanhã em Espanha, nasceu de um encontro casual em Lanzarote. "Em Maio de 2004", diz Luis Pastor, "fomos apresentar ali um filme de Montxo Armendariz, numa experiência que temos [ele e a mulher, a também cantora Lourdes Guerra] há vinte anos: dois camiões muito grandes que vão mostrar filmes a aldeias com menos de mil habitantes." Ali encontrou Saramago que, no final, lhe ofereceu um livro de poemas. Num impulso imediato, Pastor disse-lhe: "Vou musicá-los. E cantá-los em português." Saramago riu-se e disse-lhe apenas "Oxalá!"
Então, apossou-se dele uma espécie de febre. Em apenas três dias, gravou catorze canções em mini-disc. Um erro apagou-as todas e ele teve de começar de novo. Gravou-as só com a voz, outras com guitarra e aproximou-se do universo que queria: o do escritor/poeta. "Coisa curiosa: no meu disco anterior, Pásalo, eu tinha musicado um poema de Fernando Pessoa [As rãs da memória]. Abria o disco e, sem querer, anunciava que eu ia musicar outro poeta português." No caso de Saramago, terá sido fácil: "Mais do que pôr música, tirei música dos próprios poemas."
Ao escutá-los, há ambiências de bolero, rumba, morna, Europa e África: "Se tivesse que falar das composições e arranjos, sinto que este é o disco que eu sempre quis fazer, desde o primeiro que gravei, em 1972. Nesse, só editado em 1975 porque a censura o proibiu, cheguei a parar as gravações ao segundo dia porque me interessava a sonoridade dos discos de José Afonso e o arranjador não me entendeu."

A conexão portuguesaA relação de Luis Pastor com José Afonso data dos anos 70. Em pequeno, Luis queria cantar como Joselito e ficou triste quando a voz lhe fugiu. Porém, quando descobriu os cantautores, portugueses e espanhóis, a sua vida mudou. De Portugal chegavam-lhe os sons de José Afonso, José Mário Branco, Fausto, Sérgio Godinho, Vitorino, e isso foi para ele uma importante descoberta. No segundo disco, de 1976, gravou já uma canção de José Afonso, O coro dos tribunais, traduzida para castelhano. "Nesse disco havia adufes, acordeões, arranjos corais portugueses." O seu terceiro disco, Nacimos Para Ser Libres [1977], foi arranjado e produzido por Fausto. "Reconheço-me nas influências de Zeca Afonso e de Fausto, de Caetano Veloso e Gilberto Gil, mas também do jovem cantor Pedro Guerra, com quem aprendi muito."
Nesta Esquina do Tempo/En Esta Esquina Del Tiempo foi gravado metade em Lisboa e metade em Madrid. São dois CD, um cantado em castelhano e outro em português. "Já me tinha atrevido a cantar em português, mas era portunhol. Agora foi mais fácil porque Saramago gravou-me os poemas e escutei-os muitas vezes", diz Luis Pastor. Nos discos há outras vozes: a de Lourdes Guerra, mas também as de Pasión Veja e de João Afonso, que é solista único numa canção, Inventário. Os arranjos repartem-se pelo português João Lucas e pelo espanhol Luis Fernández. No disco-livro há ainda textos de Saramago e Pilar del Río e desenhos de Javier Fernández de Molina.
A primeira apresentação pública (depois de mostrado em Portugal, no 84º aniversário de Saramago) será em Madrid, a 2 de Dezembro, no Auditório de Rivas, onde vive Luís Pastor. "Ali podem ver-se a avenida Saramago, a biblioteca Saramago, o auditório Pilar Bardem [actriz espanhola], nomes dos poetas do pós-guerra e do exílio em todas as ruas, a dirigente comunista Dolores Ibarruri [La Pasionaria] tem uma praça e uma estátua... Social e culturalmente é um bairro modelo, até porque cresceu em dez anos como nenhum outro. Tinha 500 habitantes e agora tem 60 mil." O espectáculo só chegará a Portugal em 2007. Até lá, fiquemos a rondar esta esquina do tempo.

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