Bento XVI Turquia, a viagem mais arriscada
Visita difícil para o Papa e também de risco para a Turquia. O convite partiu do patriarca ortodoxo de Constantinopla, mas todas as atenções estarão centradas na mensagem que levará aos muçulmanos. Por António Marujo e Sofia Lorena
O Papa Bento XVI inicia terça-feira aquela que é, até agora, a mais difícil viagem do seu pontificado de ano e meio. Depois da Alemanha (duas vezes) e da Polónia, a Turquia é o destino. O diálogo ecuménico entre o Vaticano e a Igreja Ortodoxa, a Europa, a adesão da Turquia à União Europeia e a liberdade religiosa serão temas a abordar, directa ou indirectamente, pelo Papa. Mas o actual clima entre islão e Vaticano acabará por dominar vários dos actos da viagem.Partiu do patriarca ortodoxo de Constantinopla, Bartolomeu I - líder espiritual dos cristãos ortodoxos -, o convite para que Bento XVI fosse à Turquia. O encontro assume importância significativa num momento em que o patriarca russo disputa um lugar ao sol entre as primazias na Igreja Ortodoxa. Uma importante declaração sobre a aproximação entre catolicismo e ortodoxia será mesmo assinada nesta visita. Mas a viagem será muito dominada pelo tema da relação com o islão.
A culpa é do discurso do Papa, na Universidade de Ratisbona, onde leccionou quando era o teólogo Joseph Ratzinger. A 12 de Setembro, quando falava sobre fé e razão, Bento XVI citou o imperador bizantino Manuel Paleólogo (1348-1425) que, num diálogo com um persa erudito, lhe afirmou: "Mostra-me então o que Maomé trouxe de novo. Não encontrarás senão coisas más e desumanas, tal como o mandamento de defender pela espada a fé que ele pregava - e isto é irracional."
As reacções de muitos sectores do mundo muçulmano foram violentas - manifestações na rua, efígies do Papa queimadas. Cinco dias depois, Bento XVI afirmou que não tinha sido sua intenção ofender ninguém. Convidou depois diplomatas e líderes religiosos muçulmanos para um encontro a 25 de Setembro, em Castel Gandolfo. Perante eles, reafirmou a importância do diálogo inter-religioso como "necessidade vital" para o futuro da humanidade.
As diligências da máquina diplomática não pararam aí: vários bispos e cardeais foram a países muçulmanos e falaram com autoridades políticas e religiosas. No mês do Ramadão, foi divulgada uma mensagem do Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-Religioso dirigida a todos os muçulmanos. Bento XVI referiu-se também à data, numa das suas alocuções públicas. Finalmente, no passado dia 11, recebeu Mustapha Chérif, filósofo argelino e adepto militante do diálogo islamo-cristão, um dos muçulmanos que criticaram (alguns apoiaram) o discurso do Papa, de forma pacífica.
Na Turquia, a viagem está a ser tratada com pinças pelas autoridades, que receiam manifestações de grupos mais radicais. Quinta-feira, 40 membros de um pequeno partido nacionalista foram presos depois de terem ocupado um dos mais conhecidos edifícios de Istambul, Santa Sofia, catedral ortodoxa transformada em mesquita e hoje museu. "Papa não esgotes a nossa paciência", aconselharam os manifestantes, de extrema-direita. Hoje está previsto novo protesto, convocado pelo Partido Islâmico da Felicidade, que pode reunir dezenas de milhares de pessoas.
Papa na Mesquita Azul?A inclusão de Santa Sofia no programa da visita papal irritou nacionalistas e islamistas, que consideram tratar-se de um sinal da vontade cristã em reivindicar o regresso da Igreja a um espaço que foi mesquita nos cinco séculos do regime otomano. "Este país tem um bloqueio com o cristianismo. Os nacionalistas ainda pensam que salvaram a Anatólia do cristianismo", comentava recentemente Semih Idiz, editor da CNN turca.
Com Santa Sofia já na agenda, o Vaticano fez agora saber que Bento XVI quer também visitar a mesquita do Sultão Ahmed, mais conhecida como Mesquita Azul, construída precisamente diante da antiga catedral. A confirmar-se, será apenas a segunda vez que um Papa vai a uma mesquita, depois de João Paulo II ter estado na mesquita dos Omíadas, em Damasco.
Apesar das especulações que se seguiram ao discurso de Ratisbona, Bento XVI nunca pensou em anular a visita ao país de 72,5 milhões de habitantes (97 por cento de muçulmanos), disse em Roma o arcebispo Dominique Mamberti, chefe da diplomacia do Vaticano. A viagem já era considerada de risco antes mesmo do discurso de Setembro, por causa de declarações antigas de Bento XVI a respeito da entrada da Turquia na União Europeia.
É também a pensar em Bruxelas que académicos e comentadores criticaram nas últimas semanas o primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan, que até sexta-feira não tinha planos para receber o Papa. Para muitos, a visita pode ser de risco mas é mais de oportunidade e a Turquia pode usá-la para enviar um sinal positivo ao complicado processo de adesão. Já em Dezembro terá lugar um conselho europeu fundamental para as aspirações do país. Erdogan, que estará em Riga na cimeira da NATO a partir de terça-feira, diz agora que tentará pelo menos um breve encontro com Bento XVI no aeroporto.
Quem nunca teve dúvidas em encontrar-se com o Papa foi Ali Bardakoglu, principal autoridade muçulmana na Turquia, presidente do gabinete de assuntos religiosos, e um dos que mais criticou as palavras de Bento XVI, estimando que eram "inaceitáveis" e davam do islão "uma visão parcial e cheia de preconceitos". "Penso que a visita é um passo em frente num processo" de diálogo, diz agora. "Pode avançar na resolução de problemas internacionais e mostrar a importância da cooperação entre religiões."