A bela arte do Trio Beaux-Arts
OTrio Beaux-Arts, que comemorou 50 anos de existência na temporada de 2004-2005, é um dos mais lendários agrupamentos de câmara a nível mundial e uma referência de peso no repertório clássico e romântico. De regresso à Gulbenkian, prestou homenagem a Chostakovitch em ano de centenário através de uma das suas obras mais célebres (o Trio com Piano Nº 2, op.67) num programa que incluiu também o Nocturno D.897 (op.148) e o belíssimo Trio com Piano Nº 1, D.898 (op.99), de Schubert.Da formação inicial do grupo subsiste apenas o pianista Menahem Pressler, hoje com 83 anos (!) e uma energia, jovialidade e boa forma técnica de fazer inveja a muitos intérpretes mais jovens. Nota-se bem que é o líder do grupo na sua prestação atenta em relação aos seus pares e na eloquência das suas intervenções, coadjuvada pela importância que este instrumento adquire nas obras interpretadas. O violinista Daniel Hope é o membro mais recente (integra o Beaux-Arts desde 2004) e o excelente violoncelista António Meneses, detentor de um som atraente e um bonito cantabile nas passagens mais líricas, juntou-se ao grupo em 1998.
Depois de uma serena e eficaz introdução schubertiana, com a interpretação do Nocturno D. 897, o Beaux-Arts apresentou o inquietante Trio op. 67, de Chostakovitch, que o compositor dedicou à memória do seu amigo Ivan Sollertinsky, falecido no início da composição da obra. Mas a ideia da morte, central na produção de Chostakovitch, estava também presente através da vivência recente da violência devastadora da 2ª Guerra Mundial: o Trio nº 2 foi composto em 1944, funcionando também como homenagem ao seu aluno Fleischmann, desaparecido nas frente de batalha de Leninegrado, e às vítimas do Holocausto. A solenidade fúnebre e glacial de algumas passagens da obra, a tragédia que emerge da ironia ou a Dança Macabra do Allegretto constituem alguns dos ecos directos dessa presença da morte. O Trio Beaux-Arts ofereceu-nos uma abordagem muito polida (não obstante um ou outro ponto de ligeira dessincronia nos andamentos iniciais) desta peça que contrasta com as leituras mais devastadoras normalmente oferecidas pelo intérpretes russos. No entanto, a partir da sucessão imponente da série de acordes que formam o tema da Passacaglia no Largo conseguiu "levantar voo" e criar uma tensão crescente de um poder avassalador até ao final, que fez ecoar alguns "bravos" na plateia.
Na segunda parte, o Trio nº 1, de Schubert, uma obra de grandes proporções com música aparentemente luminosa (em contraste com o dramatismo do Trio nº 2 e com o sofrimento do compositor nos seus últimos anos de vida) veio confirmar a elevada qualidade técnica do grupo e a sua elegância ao nível do som e dos fraseados. A interpretação apostou mais no lado sério e intimista da obra do que na graciosidade brincalhona que podemos encontrar na rítmica dançante do Scherzo ou na pujante jovialidade do Rondó final (Allegro Vivace).
O concerto terminou com dois deliciosos encores (Beethoven e Dvorák), onde o Beaux-Arts se mostrou num ponto alto das suas capacidades técnicas e afinidades estéticas pela forma como mergulhou a fundo no espírito e no carácter das peças.