Robert Altman Morreu o realizador que viveu à margem de Hollywood

Era um cineasta incómodo que gostava de fazer retratos satíricos da América. M*A*S*H, Nashville e Gosford Park foram
os seus grandes sucessos comerciais. Teve sempre conflitos com os grande estúdios. Só em 2006 recebeu um Óscar, uma homenagem
de Hollywood à sua obra. Altman morreu aos 81 anos. Por Jorge Mourinha

Quando A Prairie Home Companion - Bastidores da Rádio (2006) se estreou, quase todos os observadores foram unânimes em ver nesta comédia uma espécie de "testamento cinematográfico" de Robert Altman. Em entrevistas, o realizador concedeu que Bastidores da Rádio (que se estreou há poucas semanas em Portugal) era um filme "sobre a morte", e ficará como a última das suas quase 40 longas-metragens: Robert Altman morreu num hospital de Los Angeles na segunda-feira, de causas não reveladas, aos 81 anos.Bastidores da Rádio é um final apropriado para uma carreira que viu Robert Altman erguer-se a pulso como um dos mais importantes cineastas americanos da década de 1970, trabalhando quase sempre à margem, observando com um olhar clínico, muitas vezes satírico mas sempre lúcido, as idiossincrasias, grandezas e misérias da sociedade americana.
Os seus filmes mais conhecidos são, ainda hoje, os retratos sem complacências que lhe valeram o seu estatuto de "mestre": a violenta sátira anti-militarista de M*A*S*H (1969), o cruzamento dos mundos da política e da música country de Nashville (1975), o dissecar de uma cerimónia de casamento pequeno-burguês em Um Casamento (1978), o olhar desencantado para a Los Angeles moderna em Short Cuts - Os Americanos (1993).

Obra inovadoraCineasta incómodo e pouco atreito a catalogações, Altman passou a sua carreira permanentemente "à margem": nunca foi recompensado pelos Óscares, apesar de por cinco vezes ter sido nomeado para melhor realizador (já este ano, recebeu um Óscar honorário pelo conjunto da sua carreira - Comentou: "Antes ser premiado por todo o meu trabalho do que por este ou aquele filme"), contam-se pelos dedos os seus efectivos sucessos comerciais, as suas relações com os grandes estúdios foram sempre conflituosas, mesmo a crítica nem sempre o defendeu. No entanto, conseguiu ultrapassar esses obstáculos para construir uma obra coerente, estimulante mesmo quando menos conseguida, inovadora formalmente através da fuga às convenções do género (a sua adaptação do clássico do romance negro O Imenso Adeus, de Raymond Chandler, provocou a ira dos fãs do escritor), da sobreposição de diálogos, da liberdade dada aos actores para improvisarem frente à câmara, da colisão de estruturas narrativas paralelas que exploravam uma densidade ausente do cinema mainstream.
Ironicamente, Robert Altman começara carreira precisamente dentro do establishment que tanto irritava. Depois de uma primeira tentativa sem grande sucesso em finais da década de 1940, arranjou emprego numa firma de filmes industriais na sua Kansas City natal e, entre 1950 e 1956, aprendeu e aperfeiçoou a sua técnica como realizador e argumentista de curtas industriais e anúncios televisivos. Chegou à longa-metragem com The Delinquents (1957), que levou a um convite para dirigir alguns episódios da série Alfred Hitchcock Apresenta, e, até 1965, trabalhou essencialmente para televisão, assinando episódios de Maverick, Bonanza ou Estrada 66.
Foi M*A*S*H, recusado por mais de uma dezena de realizadores e com o qual a 20th Century-Fox não sabia o que fazer, que valeu a Altman, então com 44 anos, o reconhecimento. O filme enjeitado pelo estúdio ("A Fox não lançou este filme, ele fugiu-lhes") foi um sucesso comercial e crítico improvável (valeu-lhe a Palma de Ouro em Cannes) e lançou Altman para uma carreira em que "nunca [teve] de dirigir um filme que não [escolheu]", cujo ponto alto terá sido, em 1975, o triunfo comercial e crítico de Nashville. Mas os insucessos comerciais que se seguiram, e que culminaram na recepção desastrosa a Popeye (1980), atiraram-no para uma "travessia do deserto" na década de 1980, mantendo um invejável ritmo de produção com uma série de pequenos filmes bem recebidos mas pouco vistos e a aclamada sátira política televisiva Tanner "88, criada com o humorista Garry Trudeau.

Os últimos sucessosO Jogador, feroz sátira do sistema hollywoodiano (que Altman dizia ser muito suave quando comparada com a realidade), marcou em 1992 o seu regresso "pela porta grande" e Short Cuts - Os Americanos (1993), adaptação fidelíssima dos contos do escritor Raymond Carver, consagrou-o definitivamente, revelando-o a toda uma nova geração.
Os dois filmes exploravam os mosaicos narrativos que Altman refinara em Nashville e que funcionariam surpreendentemente bem transplantados para a Inglaterra dos anos 1930 em Gosford Park (2001). Este mistério policial ambientado numa casa de campo, dobrado de violenta sátira à luta de classes, tornar-se-ia no seu maior sucesso comercial e crítico desde M*A*S*H, com sete nomeações para os Óscares.
Casado por três vezes, Altman teve cinco filhos, um dos quais adoptivo (Stephen, o terceiro, trabalhou regularmente como cenógrafo nos filmes do pai). Para além de realizador, foi também produtor, fundou a Lion"s Gate (que vendeu em 1981 e é hoje um pequeno estúdio independente especializado em filmes de género) e produziu filmes de Alan Rudolph e Robert Benton. Como escrevia ontem a BBC on-line, morreu o realizador rebelde.

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