Morre a Festa da Música e nascem os Dias da Música no Centro Cultural de Belém

um terço do orçamento

A primeira edição dos Dias da Música em Belém terá mais de metade dos concertos da última Festa da Música: 51 concertos. Será dedicada ao piano e não a um compositor ou a um tema.
René Martin deixa de estar ligado
ao programa

Isabel Salema

É oficial: a Festa da Música, que foi a imagem de marca do Centro Cultural de Belém (CCB) nos últimos sete anos, morreu. "Acabou a Festa da Música. O evento que vai ocupar as mesmas datas chama-se Dias da Música em Belém", disse ontem António Mega Ferreira, presidente do CCB, em Lisboa, depois de já ter anunciado em Outubro que o modelo teria uma "alteração profunda" devido a um corte de 600 mil euros feito pelo Ministério da Cultura.O que também termina é a colaboração, pelo menos com o festival, de René Martin, director artístico francês e criador da Festa da Música, evento que, em Portugal, começou em 2000 e que todos os anos levou multidões a ouvir música clássica no CCB.
No ano passado, em três dias foram realizados 115 concertos, vendidos 51.584 bilhetes, gastos 1,2 milhões de euros e feita uma receita de bilheteira de 550 mil euros.
"Concordo inteiramente com o novo modelo porque o actual esgotava em três dias um montante excessivo", disse ontem a ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, que está em Beja numa visita de trabalho de três dias (ver texto ao lado).
Ontem, Mega Ferreira disse que a colaboração com René Martin terminou porque o conceito do novo festival é completamente diferente. "O balanço artístico que fazemos destes sete anos é muito positivo, mas qualquer redução drástica financeira afectaria o próprio conceito", diz o presidente do CCB, acrescentando que os espectadores teriam a sensação de que estariam a assistir a "uma Festa da Música menos". A Festa da Música consumiu em 2006 dois terços do orçamento de programação de todo o CCB.
A primeira edição dos Dias da Música em Belém, com 51 concertos, será dedicada ao piano e não a um compositor ou a um tema, numa programação que será feita, essencialmente, por Miguel Leal Coelho, director do Centro de Espectáculos, e pelo próprio presidente do CCB.
O número ainda não é certo, mas é possível que sejam postos à venda 30 mil bilhetes e o festival deverá ter um orçamento de 400 mil euros - um terço do que foi gasto na última Festa da Música.
Mega Ferreira disse que esta primeira edição terá um aumento substancial de músicos portugueses - um facto elogiado ontem pela ministra - mas que já estão contratados 10 pianistas estrangeiros. Nomes habituais e estrelas da Festa da Música como os pianistas Boris Berezovsky ou Nikolai Lugansky "não estão ainda confirmados", mas Mega Ferreira já tem uma resposta positiva de Alexandre Tharaud, Huseyin Sermet, Edna Stern e Elena Rozanova.
Ontem, não foi possível ouvir René Martin sobre o cancelamento ou saber se há alguma alternativa para a realização da festa em Portugal. Miguel Lobo Antunes, administrador da Culturgest e que em 2000 trouxe a festa para o CCB, diz que o evento na Culturgest não é uma hipótese: "A Culturgest não tem desde logo condições físicas, sem pensar nas condições financeiras." Sobre se o modelo tinha chegado ao fim, Lobo Antunes diz que não comenta questões internas do CCB, atitude que procura manter desde que deixou a instituição em 2001.

Sinal de subfinanciamentoO fim da Festa da Música, em si mesmo, não é um fenómeno que preocupe Rui Vieira Nery, director-adjunto do Serviço de Música da Gulbenkian, porque as programações evoluem. "Aquilo que me preocupa é que as programações sejam substituídas não por vontade em mudá-las mas por falta de meios, que o seu cancelamento seja um sinal do subfinanciamento da Cultura por parte do Estado."
Para Rui Vieira Nery, o modelo colocava problemas, porque era "uma sobredose de música concentrada em três dias, sem correspondente na oferta musical ao longo do ano". Isso, diz Nery, não tira o mérito da criação de novos públicos: "O desafio foi sempre saber se se transfere o público esporádico para um consumo regular de música. Não ficou claro se, depois, esse público frequentava os concertos da temporada geral de música na cidade."
Nery, que foi a todas as festas no CCB, diz que o modelo lhe permitiu fazer uma reflexão: "Reforçou a minha convicção de que há um público alargado para a música clássica que não é frequentador regular."
com Lucinda Canelas
NÚMEROS

72

concertos na 1ª Festa da Música, em 2000 (e 27.200 bilhetes vendidos)

132

concertos na 2ª festa, em 2001 (e 41.200 bilhetes vendidos)

158

concertos na 6ª festa, em 2005 (e 62.700 bilhetes vendidos); este foi o pico da Festa da Música - no ano seguinte já só houve 115 concertos

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