Milton Friedman (1912-2006) Morreu o papa do liberalismo

Vai ficar na história como o grande inspirador das políticas de combate à inflação e como o autor do pensamento ultraliberal que influenciou decisivamente, nos anos 80, os governos de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, e de Margaret Thatcher, no Reino Unido. O maior dos princípios de Milton Friedman? Talvez: a inflação explica-se sempre por um aumento da quantidade de moeda em circulação. Por Rita Siza, Washington

Milton Friedman, que ontem morreu aos 94 anos num hospital da região de São Francisco, foi um dos mais influentes economistas do século passado, cuja teoria do mercado livre dominou a política pública norte-americana desde a era do pós-guerra."A paixão de Milton pela liberdade influenciou o mundo mais do que ele jamais poderia imaginar. As suas ideias e escritos transformaram, da mesma maneira, a mentalidade dos presidentes americanos, dos líderes mundiais, dos empresários e empreendedores e dos jovens estudantes de economia pelo mundo inteiro", referiu em comunicado Gordon St. Angelo, o presidente e CEO da Milton and Rose D. Friedman Foundation, com sede em Indianapolis.
Friedman foi considerado um dos intelectuais "mais consequentes do final do século XX", por duas grandes razões: a sua poderosa defesa de um mercado livre e de um papel reduzido (e principalmente regulatório) do governo, o "small government", e os seus argumentos a favor da teoria do monetarismo - que seriam reconhecidos em 1976 com o Prémio Nobel da Economia.
A ele e à sua teoria deve-se a mudança do paradigma keynesiano para uma nova epistemologia, que definiu na sua Methodology of Positive Economics, classificada como a obra mestra e fundadora da conceituada Chicago School of Economics.
Tanto na sua carreira académica, como na sua intervenção pública (Friedman publicou dezenas de livros, assinava uma coluna na revista Newsweek e até produziu um elogiado documentário sobre economia para a rede pública de televisão americana, intitulado Freedom to Choose), o economista sempre se destacou por uma defesa intransigente da liberdade individual, fosse na economia ou na política.
Advogado do capitalismo, argumentava num ensaio intitulado É o Capitalismo Humano?, que as instituições sociais que promovem o indivíduo, a e a responsabilidade e liberdade individual conduzem a um "clima moral" mais elevado e justo. Friedman reconhecia que o "capitalismo puro" era um ideal impossível mas considerava que devia ser uma ambição dos governos - e que estes deviam deixar o mercado operar livremente, intervindo no controlo da inflação e promovendo o crescimento económico por via da política monetária e não através de medidas fiscais.
"Ele usou a sua inteligência brilhante para avançar uma visão moral: uma visão da sociedade em que os homens e as mulheres são livres para escolher e onde o governo não é livre de alterar as suas decisões. Essa é uma visão que mudou a América e que está a mudar o mundo", sublinhou o Presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, num discurso-homenagem em 2002.

Conselheiro de presidentesMilton Friedman nasceu em Brooklyn, Nova Iorque, a 31 de Julho de 1912.
Foi durante os anos da Grande Depressão - a que chamaria a "Grande Constrição" - que começou a interessar-se pelos modelos económicos, estudando o New Deal do Presidente Franklin D. Roosevelt e as suas premissas teóricas definidas pelo economista britânico John Maynard Keynes.
Friedman estudou na Rutgers University (1932), na Universidade de Chicago e doutorou-se na Universidade de Columbia de Nova Iorque. A sua carreira académica desenvolveu-se em Chicago - onde leccionou entre 1946 (o ano da morte de Keynes) e 1976. Nesse período, reavivou o interesse público na teoria quantitativa do dinheiro - o monetarismo, como ficou popularizado. Mas a sua carreira marca-se ainda por uma série de estudos relativos ao consumo - a hipótese do permanent income, pelo desenvolvimento do conceito da taxa natural de desemprego ou pela sua crítica da curva de Phillips.
Antes da academia, Milton Friedman trabalhou em Washington na Comissão dos Recursos Nacionais e no Departamento do Tesouro e em Nova Iorque no Gabinete Nacional de Pesquisas Económicas. Por várias ocasiões colaborou com o governo dos Estados Unidos (e a Reserva Federal), tendo servido como conselheiro na Administração Nixon, onde trabalhou na comissão para o estabelecimento do serviço militar estritamente voluntário, e mais tarde na Administração Reagan, integrando a equipa de conselheiros económicos.

A controvérsia chilenaRespeitado em quase todos os quadrantes, Friedman não escapou a controvérsias - e grandes. Quando foi a Estocolmo receber o Nobel, em 1976, a capital sueca presenciou uma grande manifestação de militantes que repudiavam o facto de ele ter prestado conselhos económicos ao ditador chileno Augusto Pinochet nos anos que se seguiram ao golpe sangrento de 1973.
Friedman não só prestou conselhos, na verdade, como "colocou" como assessores do governo de Pinochet vários professores da Chicago School of Economics - os "Chicago Boys".
No entanto, como notava ontem no FT on-line Samuel Brittan, "os que o queriam catalogar simplisticamente como um republicano de direita foram confundidos pela variedade de causas radicais que ele defendia".

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