Ler "A Carta Fundadora do Hamas"

o dia 25 de Janeiro de 2006, aquando das eleições do Conselho Legislativo Palestiniano, Mahmoud al-Zahar, líder do Hamas na Faixa de Gaza e actual ministro dos Negócios Estrangeiros, declarou que o movimento estava comprometido com a sua carta de 1988. Fez notar, enfaticamente, que "o movimento não alteraria uma única palavra dessa carta", que apela à destruição do Estado de Israel, e que não se tornaria um movimento apenas político, mas que, muito pelo contrário, continuaria com a sua política de "resistência" (i.e., ataques terroristas).A Carta do Hamas referida por Mahmoud al-Zahar foi formulada durante a primeira Intifada (1987-1993). Editada e aprovada por Ahmad Yassin, fundador e líder do movimento e publicada a 18 de Agosto de 1988, a carta é o documento ideológico mais importante do Hamas, enquanto formulada e honrada pelos seus fundadores, com cópias que desde essa data continuaram a circular nos territórios administrados pela Autoridade Palestiniana (AP). Utiliza extensivamente fontes islâmicas para garantir as suas bases religiosas islâmicas.
Os principais pontos da Carta do Hamas:
1. O conflito com Israel é religioso e político: o problema palestiniano é um problema religioso-político muçulmano e o conflito com Israel é entre muçulmanos e judeus "infiéis".
2.Toda a Palestina é terra muçulmana e ninguém tem o direito de desistir dela: a terra da Palestina é terra sagrada muçulmana e ninguém, incluindo os líderes árabes, tem a autoridade para desistir de qualquer parte dela.
3. A importância da jihad como o principal instrumento para o Hamas atingir os seus objectivos: deve ser levada a cabo sobre Israel uma jihad intransigente e qualquer acordo que reconheça o seu direito à existência deve ser totalmente antagonizado. A jihad é o dever pessoal de todo o muçulmano.
4. A importância de nutrir a consciência islâmica: muito esforço deve ser investido adoptando e divulgando a consciência islâmica através da educação (i.e. doutrinação religiosa-política) dentro do espírito do Islão radical, baseado na ideologia da Irmandade Muçulmana.
Adicionalmente, a carta está repleta de um notório anti-semitismo: de acordo com o documento, o povo judeu tem apenas traços negativos e é apresentado como planeando conquistar o mundo. A carta usa mitos clássicos retirados do anti-semitismo Europeu e de base islâmica.
A Carta do Hamas integra uma visão radical islâmica do mundo (concebida pela Irmandade Muçulmana no Egipto), que basicamente não sofreu qualquer alteração em 18 anos de existência. No que diz respeito a Israel, a posição da carta é inflexível. Vê o "problema da Palestina" como uma questão muçulmana religiosa e política e o confronto israelo-palestiniano como um conflito entre o Islão e os judeus "infiéis". A "Palestina" é apresentada como terra islâmica sagrada, sendo estritamente proibido ceder dela um centímetro que seja, pois ninguém tem autoridade para o fazer. No que diz respeito às relações internacionais, a carta manifesta uma visão extremista do mundo que é tão antiocidental como a da Al-Qaeda e outras organizações terroristas.
Esta visão do mundo traz a reboque a recusa em reconhecer o direito do Estado de Israel a existir como nação independente e soberana, uma jihad incessante contra este e uma total oposição a qualquer acordo ou disposição que reconheça esse direito à existência. No início da carta existe uma citação atribuída a Hassan Al-Bana: "Israel erguer-se-á e continuará a existir até que o Islão o arrase, como arrasou os que lá estiveram antes" (cruzados).
Uma das manifestações mais mortíferas da jihad é o terrorismo suicida, desenvolvido pelo Hamas durante a década de 90 e tornando-se a sua principal "estratégia" no violento conflito israelo-palestiniano.
Os judeus são também apresentados como merecedores apenas de humilhação e uma vida de miséria. Isso porque, de acordo com a carta, fizeram Alá zangar-se, rejeitaram o Corão e mataram os profetas (o relevante verso corânico de Surah Aal "Imran é citado no começo da carta). O documento também inclui mitos anti-semitas retirados dos Protocolos dos Sábios de Sião (mencionados no artigo 32) no que diz respeito ao controlo judaico dos media, indústria cinematográfica e educação (Artigos 17 e 22). Estes mitos são constantemente repetidos para apontar os judeus como os responsáveis pelas revoluções francesa e russa e por todas as guerras mundiais e locais: "Nenhuma guerra tem lugar em lado nenhum sem judeus por trás dela" (Artigo 22). A carta demoniza os judeus, descrevendo-os como comportando-se brutalmente, como nazis, com mulheres e crianças (Artigo 29).
A carta vê a jihad como o modo de tomar toda a "Palestina" dos judeus e de destruir o Estado de Israel, e os ataques terroristas do Hamas são vistos como elos na cadeia da jihad exteriorizados durante o conflito israelo-palestiniano. O Artigo 15 declara que "a jihad para libertar a "Palestina" é o dever pessoal [fardh "ayn]" de todo o muçulmano, ideia exposta por Abdallah Azzam.
A carta enfatiza a batalha pelos corações e mentes muçulmanas, ou "a divulgação da consciência Islâmica [al-wa"i al-islami]", no quadro de três esferas principais: os palestinianos, os árabes muçulmanos e os não-árabes muçulmanos (Artigo 15). O processo de criação e divulgação dessa "consciência islâmica [amaliyyat ai-taw" aiyah]" é definido como a sua missão mais importante. Religiosos, educadores, intelectuais, os que trabalham nos media e nos serviços de informação, todos têm a responsabilidade de a levar a cabo (ibid.).
Como parte da batalha por corações e mentes, a carta coloca uma ênfase especial na educação (i.e., doutrinação) no espírito do Islão radical, baseada nas ideias da Irmandade Muçulmana. Mudanças fundamentais têm de fazer-se, sublinha, no sistema educacional dos territórios administrados pela AP: este deve ser "purificado", purgado das "influências da invasão ideológica trazida pelos orientalistas e missionários" (Artigo 15), e às gerações mais jovens deve ser oferecida uma educação islâmica radical baseada exclusivamente no Corão e na tradição muçulmana (Sunnah). Os meios utilizados para o recrutamento ideológico, detalhados na carta, são "livros, artigos, publicações, sermões, panfletos, canções tradicionais, linguagem poética, representações, etc.". Quando imbuídos de fé e cultura islâmicas "correctas", tornam-se um importante meio de elevação moral e de construção da fixação psicológica e força emocional necessárias para prosseguir uma "campanha de libertação" continuada (Artigo 19).
A carta sublinha a importância da solidariedade muçulmana de acordo com as prescrições do Corão e da Sunnah, especialmente face ao conflito que tem lugar entre a sociedade palestiniana e o "inimigo judeu terrorista", descrito como nazi. Uma das espressões dessa solidariedade é a ajuda aos mais carenciados (uma das suas manifestações principais é uma rede de várias "sociedades caritativas" criadas pelo Hamas, que mesclam actividades sociais com o apoio ao terrorismo).
A carta sublinha as diferenças ideológicas entre o Hamas, com a sua visão radical islâmica do mundo e a da OLP, orientada secularmente, mas repete a necessidade de uma unidade palestiniana para enfrentar o inimigo judaico. Contrapõe que uma visão islâmica do mundo em tudo contradiz a orientação secular da OLP e a ideia de um Estado Palestiniano secular. Contudo, sublinha a carta, o Hamas está preparado para auxiliar e apoiar toda a "corrente nacionalista" que trabalhe para "libertar a Palestina", não estando interessado em criar quaisquer cismas ou desacordos (Artigo 27).
Reuven Erlich é um reconhecido académico e investigador israelita. Major-general reformado das Forças de Defesa Israelitas (IDF), é actualmente o director do Intelligence and Terrorism Information Center do Center for Special Studies em Israel e autor de dezenas de artigos e ensaios académicos - versando especialmente as temáticas do terrorismo, da Síria e do Líbano - tendo nomeadamente tomado parte na delegação israelita para as conversações de paz com o Líbano entre 1991-94. Conselheiro da Embaixada de iisrael

Sugerir correcção