385 milhões Christie"s fez o maior leilão da história
Maria Altmann, de 90 anos, levou para casa 150 milhões de euros por quatro Klimt saqueados
pelo regime nazi e que lhe foram devolvidos em Janeiro pelo Governo alemão. Por Vanessa Rato
Nem o inesperado caso do retrato de Ángel Fernández de Soto, de Picasso, ensombrou a noite. Com os quatro Klimt de Maria Altmann à cabeça, o leilão de anteontem à noite da Christie"s, em Nova Iorque, tornou-se no maior da história, ao fazer 384,6 milhões de euros. São mais 150 milhões do que o recorde de 1990, também da Christie"s, e mais 50 milhões do que a leiloeira esperava fazer desta vez.
Em duas horas e meia de licitação frenética - dos 84 lotes só seis não se venderam - conseguiram-se os mais altos valores de sempre para obras de Gauguin, Schiele, Kirchner, Bonnard e Balthus. Mas todas as atenções - incluindo uma ovação da sala - foram para o austríaco Gustav Klimt e a nonagenária californiana Maria Altmann, que não tiveram sequer que dividir protagonismo com o Picasso do período azul do compositor britânico Andrew Lloyd Webber, retirado da venda no último momento.
Maria Altmann, sobrinha dos judeus vienenses Adele e Ferdinand Bloch-Bauer, que estava na sala, levou para casa cerca de 150 milhões de euros - o dobro do que a leiloeira esperava fazer -, depois de em Janeiro ter ganho uma batalha de oito anos pela posse dos quadros saqueados à família em 1938, quando o Terceiro Reich anexou a Áustria.
Só Adele Bloch-Bauer II, um retrato de 1912 com a sua tia em trajes de rua e um jardim ao fundo, fez quase 69 milhões de euros, tornando-se no terceiro quadro mais caro a ser vendido até hoje num leilão. Apple Tree I e Houses in Unterach on the Attersee fizeram ambos mais de 24 milhões. O último dos Klimt, Birch Forest, passou os 31 milhões, quando a melhor expectativa era que chegasse aos 23 milhões. Foi o mesmo valor pago por L"hômme à la hâche, um Gauguin, de 1891. Correspondente ao período inicial do Taiti, a obra estabeleceu um novo recorde para o artista.
Mas houve mais resultados de destaque para obras saqueadas pelo regime de Adolf Hitler e recentemente restituídas aos legítimos herdeiros. Berliner Strassenzene, de Ernst Ludwig Kirchner, que foi restituído pelo Governo alemão há apenas três meses ao casal Alfred e Thekla Hess, foi vendido por pouco menos de 30 milhões de euros, duplicando a expectativa mais baixa para a sua venda, ultrapassando em 10 milhões a expectativa mais alta e deixando a milhas os 7 milhões que constituíam o recorde de venda do artista.
O quadro, uma cena urbana em tons de azul com uma prostituta vestida de vermelho, é um de apenas 11 obras do género feitas Kirschner e é considerado um dos seus melhores, tendo sido realizado no pico da carreira do artista. Saiu do Brücke Museum de Berlim para as mãos do casal Hess e foi agora comprado pela Neue Galerie de Manhattan. É a segunda grande entrada na Neue Galerie em pouco tempo, depois de, no Verão, o herdeiro do império de cosmética Ronald Lauder ter dado ao museu mais de 100 milhões de euros para a aquisição de Adele Bloch-Bauer I, da mesma série de um dos Klimts de Maria Altmann.
Disputa frenéticaAntes do leilão de anteontem Lauder tinha dito à imprensa que gostaria de comprar, também para o museu, Adele Bloch-Bauer II. Foi ultrapassado pela tenacidade de quatro compradores anónimos que estiveram a licitar por telefone.
Num crescendo de tom operático, a disputa acabou com uma ovação de aplausos da sala - a Christie"s disse apenas que a obra fora para um coleccionador privado. Assim, os presentes passaram quase completamente ao lado do facto de Lloyd Webber ter, no último momento, retirado da venda o seu conhecido Picasso.
Avaliado em cerca de 47 milhões de euros e tido como o melhor óleo do período azul do artista, Retrato de Ángel Fernández de Soto, de 1903, era uma das obras mais aguardadas do leilão, mas o seu percurso foi conhecendo vários revezes ao longo da semana. Na segunda-feira um juiz do tribunal federal de Manhattan suspendeu temporariamente a sua venda, depois de uma queixa que o apontava como produto de um saque nazi de 1934. Na terça-feira o mesmo juiz decidiu que, afinal, a lei não podia sustentar a queixa de Julius Schoeps, herdeiro do banqueiro judeu alemão Paul von Menderlssohn, seu tio-avô. Anteontem, depois de uma audiência de mais de 11 horas, Webber decidiu que não queria vender uma obra cuja origem não ficasse inteiramente clarificada.
Os resultados deixaram muito longe o primeiro grande leilão da temporada, feito há quatro dias pela Sotheby"s. Apesar de ter tido a sua melhor noite também desde 1990, a Shotheby"s fez menos de metade do que fez a Christie"s e a obra mais cara que vendeu foi um Cézanne, por 29 milhões de euros. Marc Porter, presidente da Christie"s, disse que os preços atingidos pelos Klimt são um testemunho da importância da restituição das obras saqueadas pelo regime de Hitler. São também um dado novo no mercado, em muitos casos obras de primeira qualidade que têm estado expostas em museus e que, quase sempre, estão fora do circuito comercial desde os anos 30 ou 40.
Os preços finais incluem a comissão da Christie"s, que, tal como a Sotheby"s, cobra 20 por cento dos primeiros 100 mil dólares (77,8 mil euros) e 12 por cento pelo resto.