SERÁ NANCY PELOSI A PRIMEIRA "MADAM SPEAKER" DA AMÉRICA?
A liberal senadora da Califórnia entrará na história dos Estados Unidos se os democratas recuperarem o controlo do Congresso na eleição da próxima terça-feira. Por Rita Siza, Washington
O adjectivo "dura" é o mais utilizado para caracterizar a senadora democrata da Califórnia Nancy Pelosi, previsivelmente a próxima speaker do Congresso no caso de uma vitória democrata nas próximas eleições intercalares de 7 de Novembro nos EUA. "Dura", dizem apoiantes e detractores, e também uma mulher de "fortes convicções", sólida, inteligente, perspicaz e de "retórica vivaz"; decidida, um pouco elitista e desavergonhadamente liberal. Mas igualmente educada, calorosa e elegante.Se os democratas recuperarem a liderança do Congresso na próxima semana, Nancy Pelosi, 66 anos de idade, entrará para a história como a primeira mulher speaker da América. O speaker do Congresso é a terceira figura institucional do estado norte-americano: cabe-lhe a responsabilidade de conduzir o país no improvável caso de se abater um cataclismo sobre a Casa Branca e de o Presidente e o vice-presidente ficarem impedidos de governar.
Uma responsabilidade para a qual Nancy Pelosi tem vindo a preparar-se, discreta mas consistentemente nos últimos anos. Após ascender ao cargo de líder e porta-voz da minoria democrata da Câmara dos Representantes, em Novembro de 2002, no rescaldo de mais uma derrota eleitoral do seu partido, a congressista (que foi a primeira mulher a subir ao topo da hierarquia partidária na Câmara) começou a definir a estratégia para o regresso dos liberais ao poder.
O plano podia ser explicado em duas linhas: isolar o Presidente e os fracassos da sua agenda, e unir os democratas em torno das questões fundamentais que menos dividem os americanos. Em vez de argumentos estafados sobre o aborto ou o porte de armas, os democratas começaram a falar no salário mínimo, no sistema de saúde, na segurança social e na independência energética.
Tomando o pulso ao desorganizado e caótico funcionamento da sua bancada, Pelosi impôs uma disciplina partidária capaz de fazer inveja aos mais devotados republicanos. Nunca, como recentemente, os democratas estiveram tão unidos nas votações. E nunca, como até hoje, foram tão eficazes em derrotar ou obstruir as iniciativas republicanas.
Nancy Pelosi tem vindo a controlar e delimitar a mensagem transmitida pelo seu partido, escolhendo com critério as melhores personalidades para apresentar ao público os pontos de vista democratas. Por exemplo, no que diz respeito à onda de corrupção e escândalos que sacudiu o Partido Republicano, Pelosi reservou para si própria a apresentação de iniciativas legislativas e os comentários públicos sobre os diversos casos (que vão de subornos a escândalos sexuais), num claro contraste com o actual speaker do Congresso, o republicano Dennis Hastert.
Voz credível"Imorais", "corruptos", uma "pandilha de criminosos" foram algumas das acusações que dirigiu aos adversários. "Quando lhes chamei esses nomes até estava a tentar ser gentil. Poderia ter usado palavras bem piores", observou.
No que diz respeito ao dossier do Iraque, a líder da minoria democrata concentrou no veterano e conceituado congressista John Murtha a responsabilidade pela contestação à política da Administração Bush. Com várias medalhas de mérito, uma ligação de décadas aos militares e uma carreira impoluta em Washington, Murtha é uma das vozes mais credíveis em questões de segurança e defesa a nível nacional. Mesmo o seu opositor John McCain, outra autoridade na matéria, tem sentido dificuldade em distanciar-se das opiniões emitidas por Murtha.
Muito do seu sucesso deve-se à sua estratégia de colocar individualidades-chave em posições-chave. Uma das suas primeiras medidas como líder da minoria foi, por exemplo, substituir os porta-vozes democratas nos vários comités do Congresso. Entre as fileiras democratas, Pelosi destaca-se também como uma das maiores angariadoras de fundos, só atrás do casal Clinton. Para a actual campanha, terá conseguido arrecadar cerca de 50 milhões de dólares.
Uma desconhecidaAinda que presente no Congresso há dez mandatos, Pelosi permanece uma desconhecida. A sua ligação à política vem quase desde o berço: era a única rapariga de um clã de seis filhos de Thomas D"Alesandro Jr., democrata de ascendência italiana mayor de Baltimore, capital do Maryland, durante 12 anos.
Nancy, fervorosa católica, casou jovem com um investidor imobiliário, Paul Pelosi. O casal assentou domicílio em São Francisco; ela dedicou-se apenas a causas voluntárias enquanto criava os cinco filhos. Só depois dos 40 anos se começou a dedicar à política: primeiro ao nível estadual, onde foi eleita presidente pelo estado da Califórnia; e depois a nível nacional, ganhando assento no comité democrata nacional. Aos 47 anos, foi eleita, pela primeira vez, para a Câmara de Representantes pelo seu distrito de São Francisco.
Nesta campanha eleitoral, apesar de o seu lugar não estar em disputa, o nome de Nancy Pelosi tem sido dos mais referidos: os democratas usam o seu exemplo de eficiência e intransigência; os republicanos servem-se as suas posições para ilustrar os "perigos" da agenda liberal.
Críticas republicanas"A speaker da Câmara dos Representantes, terceira na linha de sucessão da Presidência, poderá ser uma congressista que votou contra a renovação do Acto Patriótico, contra a criação do Departamento de Segurança Interna, contra o derrube de Saddam Hussein, contra o estabelecimeto de um programa de vigilância de terroristas, contra a definição das técnicas de interrogatórios da CIA. A speaker será uma congressista que considerou a libertação de 25 milhões de iraquianos "um erro grotesc. Uma congressista que disse que capturar Osama bin-Laden não fará a América mais segura", repetem os candidatos republicanos.
"Não podia estar menos preocupada", comentou Nancy Pelosi no programa 60 Minutes, que numa antecipação dos eventos apresentou a sua biografia. "Penso que as críticas dos republicanos apenas revelam o estado de desespero a que chegaram", disse. "É a sua tentativa de desviar as atenções da acção do Presidente, que é realmente o principal alvo político desta campanha".
Os críticos assinalam o crescendo de animosidade entre Pelosi e George W. Bush - frisando que mais do que uma sadia batalha política, a questão já extravasou para o domínio do ressentimento pessoal. Uma hipótese que Pelosi se recusa a considerar: "Não sou mulher para brincadeiras mas respeito o cargo de Presidente dos Estados Unidos. E como speaker, a minha responsabilidade é trabalhar com o Presidente."