Estudo procura entender o papel dos raios cósmicos no clima da Terra
As partículas de alta energia que atingem constantemente o planeta podem
influenciar a formação de nuvens, ajudando à formação de aerossóis
Como é que os raios cósmicos podem promover a formação de nuvens? Esclarecer esta questão é o objectivo do projecto Cloud (Cosmics Leaving Outdoor Droplets), que iniciou a recolha de dados experimentais na semana passada. A experiência decorre no CERN, o maior laboratório europeu de física de partículas, na Suíça. É a primeira vez que um acelerador de partículas de alta energia é usado no estudo da atmosfera e do clima.Os raios cósmicos são partículas de alta energia libertadas quando uma estrela explode e que atingem constantemente a Terra. Alguns estudos sugerem que em contacto com a atmosfera terrestre ajudam a formar aerossóis, pequenas partículas em suspensão no ar que podem servir como centros de nucleação para a formação de nuvens.
As nuvens têm um papel importante no clima da Terra, pois deflectem os raios solares, provocando um efeito de arrefecimento do planeta. Se uma menor incidência de raios cósmicos resultar na diminuição da cobertura de nuvens, isto poderia provocar um aumento da temperatura média da Terra. A extensão em que este efeito ocorre é, obviamente, polémica: é proposta como uma causa para não relacionada com a actividade humana para o aquecimento global.
O projecto Cloud irá simular o efeito dos raios cósmicos na formação de aerossóis, as sementes das nuvens. Um feixe de partículas produzido no sincrotrão de protões do CERN - que fará o papel de raios cósmicos - irá incidir numa câmara de nuvens que simula a atmosfera.
Os dados serão analisados por uma equipa de físicos, químicos e cientistas que estudam o espaço, oriundos de nove países. Com um orçamento de 9,1 milhões de euros, o protótipo deverá estar plenamente operacional em 2010. "Como será a primeira experiência num feixe de partículas, estamos confiantes que irão surgir resultados físicos interessantes", afirma Jasper Kirkby, o líder da equipa.
A câmara tem sistemas de controlo que permitem simular correntes de ar ascendentes na atmosfera, gerar um campo eléctrico semelhante ao que se encontra nas nuvens em condições moderadas e funcionar numa variedade de situações de super saturação em vapor de água (humidade relativa superior a 100 por cento).
Uma relação polémica
A correlação entre os raios cósmicos e a cobertura de nuvens da Terra foi proposta pela primeira vez em 1997, por Henrik Svensmark e Eigil Friis-Christensen, investigadores que na altura trabalhavam no Instituto Meteorológico de Copenhaga, na Dinamarca. Svensmark e Christensen notaram que, entre 1987 e 1990, a nebulosidade global teve uma descida de aproximadamente três por cento, enquanto os raios cósmicos que atingem a Terra baixaram 3,5 por cento.
Desde a descoberta original desta correlação que têm aparecido novos dados de satélite que apontam para que haja um efeito dos raios cósmicos na formação de nuvens de baixa altitude. Svensmark e Friis-Christensen argumentaram que a variação na intensidade dos raios cósmicos poderia explicar uma parcela significativa do aumento da temperatura verificado nos últimos 100 anos.
Outros estudos, recorrendo à análise de isótopos aprisionados no gelo, permitem recuar na história da intensidade dos raios cósmicos e colocar hipóteses sobre a sua influência no clima. Simulações da posição da Terra na galáxia também permitem especular sobre a intensidade dos raios cósmicos nos últimos 500 milhões de anos. Nir Shaviv, um astrofísico do Instituto Racah de Jerusalém, defende que a variação da intensidade dos raios cósmicos pode mesmo justificar as quatro principais idades do gelo.
Manobra de diversão?Mas, para muitos, a atenção dispensada à hipótese dos raios cósmicos como causa dominante para o aquecimento global é apenas uma manobra de diversão engendrada por organizações ligadas a companhias petrolíferas. Paul Damon, da Universidade de Tucson (EUA) e Peter Laut, da Universidade Técnica da Dinamarca, publicaram um artigo em 2004 pondo em causa a análise de dados feita por Svensmark e Friis-Christensen. Damon e Laut apontaram várias falhas, incluindo erros aritméticos. Notaram ainda que os dados usados originalmente não representavam a totalidade da cobertura global de nuvens e que se fossem usados os dados correctos, a correlação não se verificava. Svensmark passou então a usar outra medida para a nebulosidade.
Mas o assunto está longe de estar encerrado. Recentemente, Svensmark publicou novos dados na revista científica Proceedings of the Royal Society A, relatando uma experiência em que foi feito incidir radiação ultravioleta numa câmara que simula a atmosfera. Foi detectada a formação de pequenos agregados de ácido sulfúrico e água, que podem servir como núcleos de nuvens.
É neste contexto que surge o Cloud, uma tentativa de perceber definitivamente a microfísica da relação entre os raios cósmicos e as gotículas de água, e quão significativa é esta interacção na atmosfera ou em certas partes da atmosfera.