Nicarágua O regresso do sandinista Daniel Ortega
O ex-Chefe de Estado é o favorito para ganhar as eleições presidenciais de 5 de Novembro, indicam as sondagens. Como candidato a "número dois" tem um antigo adversário político, Jaime Morales, que foi porta-voz dos "contras", quando os EUA financiaram uma guerra civil que causou 50 mil mortos.
Dezasseis anos depois de ter sido derrotado nas urnas, Daniel Ortega está a tentar recuperar o seu velho emprego. Desta vez até tem o apoio de um membro dos "contras", os seus antigos e piores inimigos. E após outra campanha eleitoral marcada por um peace and love com os ex-rebeldes, ele pode ganhar. Desde que foi afastado do poder em 1990, Ortega falhou duas vezes em campanhas semelhantes para persuadir os nicaraguenses de que o seu passado revolucionário acabou com a guerra fria. Desejoso de se demarcar da guerra civil e do medo que inspirou aos EUA, escolheu figuras menos polarizadas.
Hoje, com 61 anos e calvo, Ortega é o favorito da disputa de 5 de Novembro, em parte porque foram muitos os que se juntaram para o vencer. As sondagens creditam-lhe cerca de 30 por cento das intenções de voto, à frente de um grupo de cinco candidatos que inclui dois dissidentes sandinistas cansados das suas repetidas campanhas eleitorais.
Graças a uma emenda constitucional promovida pelos sandinistas no Congresso há seis anos, Ortega precisa de apenas 35 por cento dos votos e cinco pontos de avanço em relação ao seu mais directo adversário para evitar uma segunda volta em que teria de enfrentar probabilidades mais difíceis. Antes, os candidatos precisavam de 45 por cento.
O defunto Presidente norte-americano Ronald Reagan classificou o Governo de Ortega dos anos 1980 como uma "ditadura totalitária marxista-leninista" que deu "à União Soviética um território neste continente - a apenas dois mil milhas da fronteira do Texas, uma clara ameaça à segurança nacional".
Ainda hoje, muito tempo após o colapso do bloco socialista, funcionários norte-americanos avisam que Ortega representa o passado negro da Nicarágua, e que, se ele ganhar, a ajuda internacional deve ser recusada à segunda nação mais pobre do hemisfério ocidental. Para o embaixador dos EUA em Manágua, as credenciais democráticas de Ortega são "muito duvidosas". Washington receia que Ortega faça grupo com Hugo Chávez, o seu inimigo latino-americano.
O líder venezuelano vem apoiando abertamente Ortega, tratando-o por "irmão" e mandando para a Nicarágua petróleo destinado às centrais eléctricas a baixo custo. Ortega esteve pessoalmente presente na chegada do primeiro navio com diesel e considerou Chávez seu irmão, ao mesmo tempo que recusou que ele esteja a imiscuir-se nas eleições do país.
O mais directo rival de Ortega, o banqueiro Eduardo Montealegre, formado em Harvard, avisou que Ortega vai espalhar a política populista de Chávez pela região e "pôr fim aos progressos que a democracia e os investimentos estrangeiros fizeram ali".
O caso GarcíaSe Ortega ganhar um mandato de cinco anos, será o segundo grande regresso ao poder na região, em 2006, de um líder radical que passou a moderado. O outro foi o esquerdista peruano Alan García.
(...) Tal como García, Ortega clama que é um novo homem que vai manter boas relações com Washington e negociar com o FMI, que um dia acusou de perpetrar "um capitalismo selvagem".
Católico romano como 85 por cento dos cinco milhões de concidadãos, também diz que agora se opõe ao aborto. Ortega faz tudo o que pode para convencer os nicaraguenses de que não constitui perigo para o país, onde os surfistas e reformados norte-americanos estão a comprar propriedades na costa do Pacífico.
O seu candidato a vice-presidente, Jaime Morales, foi o antigo porta-voz dos "contras" quando Washington organizou e financiou uma guerra civil contra os sandinistas. Ortega mudou-se para a casa de Morales depois de os rebeldes terem destituído o ditador Anastásio Somoza e apoderou-se das suas propriedades. Recentemente, liquidou a dívida, ao pagar a Morales uma verba desconhecida.
Conflitos e fome"Se pudemos governar em tempo de guerra, imaginem o que podemos fazer em tempo de paz", disse Ortega num comício em Manágua. Mas as memórias da miséria não convencem muita gente.
"Ortega vai trazer conflitos, bloqueios de estradas, fome", diz José Castillo, 39 anos, instrutor de artes marciais num centro comercial. "A Nicarágua está cheia de feridas."
A guerra dos "contras" vitimou cerca de 50 mil pessoas antes de acabar com Ortega a concordar com a realização de eleições em 1990. Ele perdeu então para Violeta Chamorro, candidata apoiada pelos EUA o que terminou com 11 anos de governação sandinista. Desde então, perdeu mais duas eleições.
Ortega, que andou por Manágua em 1979 dentro de um tanque, andou uma destas noites pelos bairros pobres ao volante de um Mercedes. Do tecto aberto, o candidato acenou a centenas de pessoas que o vitoriavam, gritando: "Daniel!" Crianças descalças, homens e velhas receberam-no efusivamente. "É o único que se preocupa com os pobres", diz Ache Magana, 22 anos.
Comandante Zero
Alguns ex-líderes rebeldes discordam. "O poder é tudo para ele", diz Carlos Mejia Godoy, 63, que toca antigas baladas num bar de Manágua. "Daniel Ortega alinhou com as forças mais negras do país." Mejia Godoy é partidário de Edmundo Jarquín da ala sandinista dissidente, mas a campanha de Ortega continua a usar as canções que escreveu para a revolução sandinista.
Outro traço da campanha de Ortega são os indefectíveis sandinistas, alguns vestindo T-shirts cor-de-rosa enquanto angariam votos. Ortega perdeu alguns apoios depois de ter feito um pacto de poder com o antigo Presidente Arnoldo Alemán, cujo Partido Liberal Constitucionalista dominou com os sandinistas o Congresso. Alemán está sob prisão domiciliária, acusado de corrupção durante o seu governo de 1997-2002. Washington opôs-se ao candidato do partido de Alemán, o antigo vice-presidente José Rizo.
Outro candidato na corrida é Éden Pastora, o lendário combatente sandinista conhecido por Comandante Zero. Ele admite que é difícil vencer Ortega e afirma que a constante crítica do embaixador Trivelli está a ajudar o líder sandinista num país muito desconfiado com as ingerências estrangeiras. "A ideia que dá é que o embaixador dos Estados Unidos é o mandatário da campanha de Ortega", afirma com ironia. Associated Press