Dezenas de pessoas lá dentro e centenas de pessoas cá fora no cerco ao Rivoli
Cerca de 40 pessoas
ocuparam o Rivoli
e exigiram "garantias"
de serviço público a Rui Rio
O "sr. Rui Rio", foi assim que foi tratado o presidente da Câmara Municipal do Porto pelas quase 40 pessoas que decidiram pôr em marcha uma "ocupação pacífica" do Rivoli, não estava anteontem à noite no pequeno auditório do teatro municipal quando começou o protesto contra a sua iminente concessão a uma das cinco entidades privadas (Bastidores, a empresa de Filipe La Féria, Miltemas, Porto Eventos, Plateia e Inatel) que responderam ao concurso público aberto pela câmara. Não estava anteontem à noite, quando o terceiro acto do espectáculo Curto-Circuito, uma produção do Teatro Plástico, se transformou num prolongado sit-in pela manutenção de uma ideia de serviço público no Rivoli. Não esteve ontem durante o dia, apesar dos pedidos dos manifestantes que lá pernoitaram e que continuavam dentro do teatro ao início da noite de ontem dispostos a mais uma directa. Mas, mais de 20 horas depois do início do protesto, e numa altura em que já havia várias centenas de pessoas à porta a exigir um "Rivolivre" e uma "Rivolição", e um comunicado da Culturporto no site da câmara - sublinhando esperar que a "ocupação não inviabilize a realização (...) do concerto de Luís Represas [marcado para as 21h30 de hoje], cuja receita reverterá a favor da investigação da paramiloidose" -, a autarquia mostrou-se disposta a receber uma delegação de manifestantes.
Pressão da câmaraO protesto teria terminado exactamente a essa hora, 20h16, se a câmara não tivesse deixado bem claro que, em caso de fracasso das negociações, os ocupantes que saíssem não voltariam a entrar. Ninguém quis sair e os cerca de 20 "ocupantes" do Rivoli (os outros foram saindo ao longo do dia) voltaram a mostrar-se indisponíveis para abandonar as instalações do teatro, que se manteve fechado (ao público e aos funcionários) ao longo de todo o dia de ontem - o dia em que se comemorava o nono aniversário da sua reabertura.
Remetendo para o pequeno caderno reivindicativo divulgado no início do protesto (ver caixa), os manifestantes reafirmaram a sua disposição de esperar por uma resposta oficial e recusaram ser usados como bodes expiatórios de um eventual cancelamento do concerto de hoje. "Metam-nos num quarto como bichos perigosos que nos acusam de ser, mas não nos façam a infâmia desta chantagem. Não nos culpem pelo cancelamento de um concerto de solidariedade", pediu Regina Guimarães, autora do texto da peça que anteontem terminou a sua carreira no Rivoli e líder informal do protesto que se iniciou imediatamente a seguir. Minutos mais tarde, o actor António Capelo voltava ao assunto: "Se o Rivoli for privatizado, aí sim: concertos de solidariedade como este deixarão de ter lugar."
À hora de fecho desta edição, continuava a não haver garantias acerca da realização do concerto. Apesar da disponibilidade manifestada pelo Lions Clube da Boavista, organizador do evento, para coabitar com o protesto, a Culturporto mostrava-se irredutível: o Rivoli só reabrirá quando os ocupantes saírem.
Por uma rede de teatros municipaisA "ocupação pacífica" do Rivoli que começou ao início da madrugada de ontem, por iniciativa conjunta de elementos do Teatro Plástico, da escritora Regina Guimarães e de outros cidadãos, inaugura uma nova fase nos protestos contra a privatização da gestão do teatro municipal, anunciada pelo executivo de Rui Rio em Julho passado.
"A escrita desta peça coincidiu com o anúncio público da passagem do Rivoli a uma gestão privada. Decidimos que na última representação iríamos ficar aqui e provocar uma discussão pública sobre o assunto. O processo está demasiado avançado e os protestos feitos até agora não chegaram sequer a sacudir o executivo camarário. Este é um protesto pequeno, mas às tantas vale mais do que uma coisa tão abstracta como um abaixo-assinado que já tem mais de 10 mil subscritores mas que não provocou sequer ainda uma discussão na Assembleia da República", explicou Regina Guimarães ao PÚBLICO, uma hora depois do início da ocupação.
Perante a permanência dos manifestantes na sala, mais de uma hora após o final do espectáculo, a Culturporto mandou reforçar o piquete de segurança do teatro e convidou os ocupantes a sair - ou a ficar até de manhã. Dos cerca de 40 espectadores, muitos ficaram para debater in loco o futuro do Rivoli, correspondendo ao apelo do último acto da peça: "Recusemos o toque de saída. Recusemos a saída de emergência. Esta casa ainda pode ser nossa. Daqui não sai ninguém. Daqui ninguém nos tira."
Regina Guimarães e Francisco Alves, director do Teatro Plástico, assumiram a liderança do protesto: "Não sei se já perceberam que isto é uma ocupação - não é uma ocupação de tempos livres, é uma ocupação de espaços roubados às pessoas. Vão dar isto de mão beijada, equipado como está, a uma entidade privada que fará a programação que achar rentável - não precisamos de fazer a legenda, pois não? Depois disto, não vão faltar autarcas a dizer que não têm dinheiro para aguentar um teatro municipal. Não é só um problema do Porto. Por esse país fora, o mesmo se vai passar com os teatros municipais que foram recentemente construídos ou reabilitados. Isto faz perigar o sonho de haver, finalmente, uma rede de teatros municipais."
A ministraA decisão de privatizar a gestão do Rivoli foi tomada a 25 de Julho pela maioria PSD / CDS-PP. Na altura, Rui Rio argumentou que "a receita do Rivoli cobre apenas seis por cento da despesa" e que uma gestão privada do equipamento poderia fazer reduzir os custos actuais de 2,6 milhões de euros por ano para cerca de 300 mil euros.
Apesar das críticas dos manifestantes, que criticam o alheamento da ministra Isabel Pires de Lima em relação ao destino de um teatro remodelado com dinheiros públicos, o Ministério da Cultura continua à margem do processo. Ontem, em declarações à Lusa e à TSF, a ministra disse estar a seguir o caso "com preocupação" e mostrou-se disponível para mediar o conflito, caso a sua intervenção venha a ser solicitada.
Não chega, dizem os organizadores do protesto. "A ministra andou um ano envolvida em querelas por causa de dez metros de um túnel. Não se percebe que não se envolva quando está em causa o futuro do teatro da cidade", frisou Francisco Alves. E também uma política cultural, acrescenta, à distância, Gil Mendo, programador de dança da Culturgest: "Sinto que foi abandonada uma política cultural da Câmara do Porto iniciada quando o Rivoli reabriu e prosseguida durante o Porto Capital Europeia da Cultura e que não só deu visibilidade aos artistas independentes da cidade como proporcionou ao público portuense a oportunidade de estar a par da criação a nível internacional, ajudando a desenvolver uma vocação de cosmopolitismo do Porto." com Joana Gorjão Henriques
o que os manifestantes exigem a rui rio
- Garantias de que o Rivoli não será gerido e programado em função da maior ou menor rentabilidade dos espectáculos, da submissão aos interesses do executivo da câmara, da visibilidade mediática ou da pretensa acessibilidade
- Garantias de que os núcleos de produção da cidade terão acesso e lugar no seu teatro municipal, sem prévia censura política e segundo critérios que visem tão-só a manutenção de uma programação de qualidade
- Garantias de que a direcção do Rivoli pugnará pela formação contínua do público