João Canijo e Rita Blanco improvisam conflito entre mãe e filha no CCB

É um "dois-em-um": duas actrizes são mãe e filha no palco e no ecrã. Improviso Encenado estreia-se hoje
em Lisboa

Não é um espectáculo, dizem, não é uma peça, é um processo de trabalho que será mostrado hoje e amanhã no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Ou é uma "cena de uma peça de teatro se houvesse um ano para trabalhar": em Improviso Encenado, projecto do realizador João Canijo e da actriz Rita Blanco, está um "mês e tal de ensaios, de improvisos", e cerca de meia hora de "espectáculo". Objectivo: desenvolver "processos de trabalho para chegar às personagens e ficar tão à vontade que qualquer texto seja apropriado" por elas, diz João Canijo. Ou seja, "o processo ideal se houvesse verba".
É, de resto, este o princípio dos Estaleiros, do Festival Temps d"Images: ter dois artistas que se juntam para criar qualquer coisa que não é definitiva e que misture imagem e artes performativas. Aqui há um novo (re)encontro: Rita Blanco entrou em praticamente todos os projectos de Canijo. A última vez que se juntaram em teatro foi para Sete Anos, de Rosa Lobato Faria, e em cinema foi em Noite Escura.
Rita Blanco e a jovem estreante Vera Barreto (18 anos) são mãe e filha. Uma cobra (Quem pagou? Quem fez? Quem passou fome?), a outra culpa (é "doentia a tua obsessão com a minha vida; preciso de espaço", diz à mãe) numa discussão que traz a marca única da relação filhos-pais: os filhos conhecem desde sempre os pais, mas os pais tiveram uma vida antes dos filhos.
É assim em palco e no ecrã, mas a duas velocidades, porque aquilo que João Canijo filmou está dessincronizado: enquanto as actrizes fazem de mãe e filha em palco estão, em simultâneo, em grande plano numa tela a fazer da mesma mãe e da mesma filha.
A mãe e filha só existem, contam, por causa das actrizes: antes do texto, que foi sendo criado por elas ao longo dos ensaios, antes mesmo das personagens, a ideia era ter Rita Blanco e Vera Barreto em palco. As duas foram-se conhecendo durante o processo. Definiram-se os temas, eliminaram-se e acrescentaram-se coisas e as personagens foram-se aprofundando: começou de uma maneira tipificada e foi "melhorando".
"Cada uma construiu uma vida para estas personagens", conta Rita Blanco. Depois João Canijo filmou três takes, ficou com o segundo, registou a ordem dos temas e o texto foi "reescrito" e "retrabalhado". O processo não é novo, diz, dando como exemplo o filme Sombras, do realizador John Cassevetes ("foram improvisando até ao momento em que as personagens estavam tão consistentes que podiam fazer tudo"). Rita Blanco diz que não se inspirou em nenhum texto específico, embora reconheça que se pode lembrar do realizador Ingmar Bergman.
Acima de tudo, acrescenta João Canijo, as actrizes "foram reagindo uma à outra enquanto personagens". Resumindo, Canijo cita Aristóteles: "As palavras faladas são sinais das expressões e dos afectos da alma". E explica: "Dependem das circunstâncias e das pessoas e não vale a pena impô-las". Rita Blanco completa: "Os actores são pessoas e é fundamental que estejam bem claras as suas escolhas em cada trabalho que fazem".
O filme aparece para mostrar o processo e é ainda "uma partida que lhes fiz e que só me interessa a mim", diz o realizador: a ideia é o espectador escolher ouvir em alguns momentos o filme e noutros o que se passa em palco. João Canijo vai, aliás, transformar o filme numa curta-metragem. Chama-se Mãe Há Só Uma.

Improviso Encenado
LISBOA Centro Cultural de Belém. Praça do Império
Tel. 213612444.
Hoje e amanhã, às 18h.

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