A proibição de representar Maomé não é consensual entre os muçulmanos
Existem na arte islâmica vários exemplos de imagens do profeta, sobretudo pelos xiitas e entre os séculos XIII e XVIII. Mas Maomé também aparece na Divina Comédia de Dante e num episódio da série South Park.
Na origem das polémicas em torno das caricaturas publicadas no ano passado por um jornal dinamarquês, e do recente cancelamento da ópera Idomeneo, de Mozart, em Berlim, está a mesma questão: em ambos os casos há uma representação (no primeiro caricatural, no segundo sob a forma de uma cabeça decepada) de Maomé, o profeta do islão. Os protestos muçulmanos assentam em dois pontos. O primeiro é o de que o islão não permite a representação do profeta; o segundo é que estas representações são insultuosas e ofensivas.
Se o segundo ponto não é discutível, por ser subjectivo, o mesmo não acontece com o primeiro. Especialistas em religião islâmica afirmam que não existe no Corão qualquer proibição explícita de representar Maomé. A questão não é consensual mesmo entre os muçulmanos, e existem na arte islâmica vários exemplos de imagens do profeta (sobretudo na arte persa, já que os xiitas são bastante menos rígidos nesta questão).
Na base da ideia de que existe uma proibição está, provavelmente, o facto de o Corão proibir a idolatria - e muitos muçulmanos considerarem que a existência de imagens fomenta a adoração de ídolos (alguns defendem mesmo que é proibida a representação de animais). Nas últimas décadas, a proibição de imagens foi reforçada com o aumento de influência das correntes mais conservadores do islão, nomeadamente os wahhabitas.
E no entanto existem imagens de Maomé, algumas das quais em museus em Istambul, Londres, Nova Iorque ou Los Angeles. Os especialistas de arte islâmica do Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque explicam num comunicado citado em Fevereiro pelo Washington Post: "Ao contrário da ideia generalizada hoje, as artes islâmicas tradicionais, tanto sunitas como xiitas, fizeram frequentemente retratos reverentes do profeta, como é abundantemente provado pelas iluminuras feitas entre o século XIII e o XVIII, da Turquia ao Bengal. As representações pictóricas do profeta continuam a ser aceites até hoje por muitos xiitas, embora desde o século XVIII sejam rejeitadas pela maioria dos sunitas."
Trata-se geralmente de imagens que ilustravam livros e que eram acessíveis apenas à elite, e não há sinais de que tenha havido uma difusão generalizada da imagem do profeta. Nestas ilustrações, Maomé surge rodeado por anjos, com um turbante, uma barba e, por vezes, um halo em chamas. Por questões de "sensibilidade cultural", as imagens existentes em vários museus americanos não estão em exposição, sublinha o Washington Post.
O profeta foi também representado por não-muçulmanos, entre os quais Giovanni da Modena, William Blake, Gustave Doré ou Salvador Dalí. E, já no século XXI, foi um super-herói, juntamente com Jesus e Moisés, num episódio da série de animação norte-americana South Park que, curiosamente, não provocou polémica.
Mas talvez a imagem mais violenta do profeta na cultura ocidental seja do século XIV: a ilustração da passagem de A Divina Comédia de Dante, em que este representa Maomé, com as entranhas de fora, penando no inferno.