Aprendemos História a ler romances históricos?
Os romances históricos ensinam duas histórias: a do romance e a da época em que foi escrito. Escrever romances pode ser mais difícil que escrever livros de História
Facto: os romances históricos estão na moda. Questão: conseguimos aprender História com eles? "Sim", foi a resposta mais defendida no debate moderado pelo jornalista Carlos Vaz Marques na tertúlia Livros em Desassossego, que se realizou anteontem à noite, na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa."Aprende-se decididamente", defendeu o escritor de romances históricos Pedro Almeida Vieira, que debateu o tema, numa sala quase cheia, com o historiador Rui Tavares, o editor da Caminho Zeferino Coelho e com o também escritor de romances históricos Miguel Real. Ausente esteve o escritor António Mega Ferreira por "incompatibilidades de agenda", disse o moderador.
Pedro Almeida Vieira foi directamente ao assunto: "Acho os livros de História chatos, confusos e herméticos", disse o engenheiro e autor de Nove Mil Passos (2004, Dom Quixote) e de O Profeta do Castigo Divino (2005, Dom Quixote). "O romance histórico pode amenizar isso, pode arranjar pequenas histórias engraçadíssimas da época."
Convencer os historiadores disso foi mais difícil, como explicou Rui Tavares: "Aprender História lendo romances históricos foi algo que demorou a ser aceite pela comunidade historiográfica", explicou. Porém, disse o historiador, aceitar que se aprende História através dos romances é agora uma "trivialidade, o que nos permite ir mais longe".
Escritores rotuladosSeparados, diz Zeferino Coelho. É assim que devem estar os romances e a História: "Tenho dificuldades em conciliar romance histórico e aprendizagem. Não é a função do romance, apesar de haver cada vez mais curiosidade pelo romance histórico. O romance vale por si, quer ensine ou não", disse o editor da Caminho. Mais: o editor de Memorial do Convento (1982), do Nobel da Literatura português José Saramago, disse ainda que viu neste livro apenas uma "belíssima história de amor", não um romance histórico, e que os escritores deste género correm o risco de serem rotulados.
E o romancista também aprende? Pedro Almeida Vieira diz que ensinar pode não ser o dever do escritor mas este adquire sempre vários conhecimentos. "Aprendi tanto que consigo detectar erros em livros históricos", disse, assumindo que não tinha grandes conhecimentos de História antes de começar a escrever. Rui Tavares, concordando, disse mesmo que os romances históricos são interessantes porque permitem "aprender a história do romance e a história da época em que foi escrito".
Confundir factos e ficçãoPara o historiador, o romance histórico não é culpado pela confusão que os leitores fazem entre factos e ficção. "O romance histórico é o menos culpado porque enuncia os seus próprios limites. O público acredita por sua única conta e risco." O que preocupa o historiador é o mau uso do livro de História, que se pode apresentar como factual quando tem erros.
Durante muito tempo, explicou Miguel Real, que apresentou O Último Negreiro, o seu novo livro a publicar no final de Outubro pela Quidnovi, estávamos habituados a ver a História como real e o romance como ficção. No século XX, assumiu-se que os documentos históricos são feitos por humanos e que "a História tem imensa ficção, porque foi humanamente fabricada".
Zeferino Coelho, no entanto, diz que lhe é tão fácil publicar um romance histórico ou um livro de História. "Quero é que seja um bom romance ou um bom livro histórico."
Mas escrever um romance, diz Rui Tavares (cronista do PÚBLICO), é mais difícil que escrever um livro de História, porque o romancista tem de preencher os espaços em branco deixados pela História com a imaginação. Além disso, um romance histórico e um livro de História têm o mesmo final, diz Almeida Vieira. "Não se passou assim mas podia ter-se passado."
Todos concordaram que historiadores e romancistas têm um interesse em comum: a passagem do tempo e a evolução. Permanece sim, dizem, a pergunta lançada por Saramago em Cadernos de Lanzarote: a ficção não tem suficiente história ou a história tem demasiada ficção? Ana Tavares
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26 Outubro, às 21h30. Entrada livre.