UMA ESTRATÉGIA QUE FALHOU NO COMBATE AO TERRORISMO E ENFRAQUECEU OS EUA
O fracasso da "guerra ao terror" de Bush, assente no uso da força militar, é inseparável
da tentativa de imposição de uma hegemonia indiscutida no Médio Oriente, através da doutrina
da "mudança de regime". Hoje, os americanos perderam a iniciativa, enquanto o inimigo Irão
surge como o grande beneficiário da sua aventura iraquiana. Por Jorge Almeida Fernandes
CCinco anos depois do lançamento da "guerra ao terror" e, sobretudo, após a invasão do Iraque, o terrorismo parece de boa saúde, os EUA estão atolados em Bagdad, os taliban renascem no Afeganistão, Israel está mais ameaçado, o Irão começou a assumir o papel de potência regional e todo o Ocidente está em risco de ver enfraquecida a sua margem de manobra no mundo e não apenas no Médio Oriente.
1. O relatório das 16 agências de informação traz menos novidade do que parece. A CIA há muito produziu idênticas análises. Em Junho de 2005, constatou que o Iraque se tornara num território de recrutamento e treino para o terrorismo jihadista mais importante que o Afeganistão dos taliban. Antes disso, Samuel Huntington concluíra que "a invasão do Iraque foi vivida pelos muçulmanos como uma guerra contra o islão" e que, nestes termos, "os Estados Unidos vão gerar cada vez mais terroristas". O valor do relatório está na sua "autoridade": os serviços secretos preferem a informação à apologia ideológica.O texto constata que o jihadismo de influência Al-Qaeda "se desenvolve e adapta aos esforços antiterrorismo" e que os seus grupos aumentam, tanto em termos de número como de dispersão geográfica". "A jihad no Iraque formou uma nova geração de dirigentes e agentes terroristas."
É evidente que não foi o Iraque que criou o terrorismo. O que acontece é que a ocupação de Bagdad, em lugar de erradicar o terror, o veio alimentar.
O relatório tem passagens menos negras. "A maior fraqueza dos jihadistas é que o seu objectivo último é impopular para a grande maioria dos muçulmanos." Esse objectivo é criar sociedades fundamentalistas baseadas numa aplicação ultraconservadora da sharia (lei islâmica). O que suscita a interrogação sobre o melhor método de o combater. O modelo europeu terá sido mais eficaz.
O islamólogo francês Gilles Kepel explicou que os movimentos islamistas radicais, do Egipto à Argélia, falharam nos anos 1990 por não conseguirem mobilizar as massas à volta do seu programa. O 11 de Setembro - diz - traduz uma mudança de estratégia por iniciativa da Al-Qaeda, a tentativa de "galvanizar as massas" através de atentados espectaculares, a começar pelo coração da América.
A resposta americana, a "guerra ao terror", privilegiando a acção militar, terá tido "o efeito perverso de mobilizar largas franjas da opinião no mundo árabe e muçulmano contra os EUA, em particular, e o Ocidente em geral".
A questão da tortura abalou o que restava do capital moral americano.
2. A "grande estratégia" da Administração Bush, esboçada antes do 11 de Setembro, era ambiciosa e "revolucionária". Aliava duas vertentes. Por um lado, erradicar as causas do terrorismo, o que levará ao projecto do Grande Médio Oriente para democratização e modernização do mundo árabe. Por outro, consolidar a hegemonia americana na região. As duas vertentes eram unidas pela doutrina da "mudança de regime", que tanto ameaçava os aliados sauditas, como os adversários Iraque ou Irão. O acento tónico era posto na força militar, quando ninguém ousava desafiar o poderio americano.Esta mistura vai perder a Administração Bush.
A conquista do Iraque não criou um "modelo virtuoso", tornou-se num desastre de engenharia geopolítica. Quase tudo falhou (para os americanos, não para os iraquianos xiitas e curdos). À desordem, seguiu-se a revolta sunita e a explosão do terrorismo jihadista. Hoje, a questão central é a ameaça de guerra civil. Para se retirarem sem perder a face, os americanos necessitariam de deixar um Iraque estável, já não necessariamente democrático.
Uma saída em debandada afundaria a credibilidade da "hiperpotência" por muitos anos e permitiria à Al-Qaeda proclamar vitória.
A guerra no Afeganistão tinha outra lógica e foi apoiada pelos aliados como resposta ao regime que albergava a Al-Qaeda. A progressiva deterioração deve-se em boa medida à obsessão iraquiana de Bush, que depressa esqueceu Cabul. Cinco anos perdidos criaram um terreno de "apodrecimento" e insegurança que os taliban aproveitam para regressar. Antes de militar, o problema é político e económico. Mas, mesmo no plano militar, os EUA não têm já recursos para intervir e a Europa está no limite da sua capacidade. Um fiasco será grave para a NATO.
O evidente e paradoxal vencedor foi o Irão. Os EUA eliminaram os seus dois inimigos: Saddam Hussein e os taliban. O desastre iraquiano permitiu-lhe emergir como potência regional dotada de imenso poder de desestabilização. Acaba de fazer a demonstração no Líbano. Teerão não só resistiu à ameaça americana como surge hoje como uma potência bivalente: capaz de organizar um frente radical antiamericana ou, se os EUA escutarem as suas propostas, ajudarem-nos a sair do Iraque e a estabilizar a região. O seu preço é seguramente alto e o clima não ajuda a um entendimento. No entanto, há dias, Bush disse ao Washington Post coisas insolitamente simpáticas sobre Teerão.
Em suma: para lá do impasse no terrorismo, a estratégia de Bush provocou um desastre político. Os EUA perderam a iniciativa e parecem hoje condenados a reagir aos acontecimentos.