O "príncipe" Abe assume hoje a chefia do Governo do Japão

O novo primeiro-
-ministro, que será nomeado pelo Parlamento, terá
como prioridades as reformas económicas
e a política externa

Chamam-lhe "o príncipe", mas não pertence à casa imperial. Shinzo Abe é antes herdeiro de uma família de pesos-pesados da política japonesa. Hoje, Abe cumprirá o que há muito considera ser o seu destino: o Parlamento deverá passar-lhe para as mãos a liderança do Governo nipónico.Depois de, na semana passada, ter sido eleito para chefiar o maior partido do Japão, Abe passará hoje por uma votação no Parlamento, onde o seu Partido Liberal Democrata (PLD, direita) está em maioria. Não há dúvidas, por isso, quanto ao seu futuro.
As incógnitas centram-se, sobretudo, noutra questão: irá Shinzo Abe concentrar-se nas reformas económicas desencadeadas por Junichiro Koizumi, como lhe exigem algumas vozes dentro do seu país; ou terá como prioridade melhorar as relações com os vizinhos China e Coreia do Sul, como deseja a comunidade internacional?
Os primeiros sinais foram enviados ontem, ao nomear alguns postos chave do PLD. O "número dois" do partido será o veterano Hideano Nakagawa, 62 anos e ex-jornalista, considerado de direita, mas conhecido pelos seus bons contactos com responsáveis chineses, segundo a AFP. Foi ele quem reuniu a velha guarda e a nova geração do PLD em torno de Abe.
"A atmosfera começou por ser muito positiva. Acho que as relações sino-japonesas vão degelar. É importante que os dois países façam um esforço para organizar uma cimeira até ao final do ano", propôs Nakagawa.
A governação de Koizumi, e as seis visitas que efectuou enquanto primeiro-ministro ao santuário de Yasukuni, onde estão enterradas vítimas mas também criminosos de guerra, afectou profundamente o relacionamento do Japão com a China, pelas recordações do passado militarista do Japão.
Ontem, Koizumi afirmou que não tem nada a lamentar. "Em primeiro lugar, não fui eu que recusei os encontros bilaterais com a China e a Coreia do Sul", afirmou.
Outros cargos de responsabilidade partidária foram dados ao antigo ministro das Questões Sociais, Yuya Niwa, e o ministro da Agricultura, Shoichi Nakagawa - ambos com posições conservadoras e defensores da reforma da Constituição do país, e ambos com vontade de fazer regressar o patriotismo às salas de aula.

Polémica reforma constitucional
As alterações constitucionais que têm vindo a ser debatidas não são alheias à forma como o Japão encara o seu papel no mundo. Um dos artigos que tem levantado mais polémica - o 9º - proíbe que o país tenha forças armadas, com poder para lançar ataques, estando por isso limitado às actuais Forças de Defesa.
A lei fundamental do país foi redigida pelos ocupantes americanos, a seguir à derrota nipónica na segunda guerra mundial, e na perspectiva de Abe não corresponde ao papel que deve ter a segunda potência económica mundial na cena internacional.
As tentativas de mudança são vistas com alguma apreensão pela China - um país "assustador" e tão ameaçador como a Coreia do Norte, segundo Shoichi Nakagawa.
O Financial Times recordava na semana passada um dos episódios que mais terá marcado o próximo primeiro-ministro. Shinzo Abe tinha apenas cinco anos - estava-se em 1960 - e sentava-se confortavelmente ao colo do avô. Lá fora, a casa estava rodeada de manifestantes em fúria, atirando palavras de ordem. O avô era Nobusuke Kishi, então primeiro-ministro, que se preparava para rever o Tratado de Segurança com os EUA, dando a Washington ainda mais controlo sobre as forças japonesas.
Preso em 1945 pelas forças da ocupação por suspeitas de crimes de guerra, Kishi nunca foi julgado; em 1957 chegou ao cargo mais elevado a que poderia aspirar. "Abe ressente-se da sombra de criminoso de guerra que paira sobre a memória do seu avô", escrevia o FT. "A crença de que a guerra japonesa não foi assim tão desonrosa é uma das razões pelas quais Abe visita o santuário de Yasukuni". Se continuará, ou não, a fazê-lo será preciso esperar para ver.

China "dá espaço" É o que Pequim parece estar já a fazer. "Acho que a China está a tentar dar espaço a Abe. A China está muito expectante para ver se Abe escolhe um caminho diferente na forma de lidar com a China. Até certo ponto, é ingénuo, mas não temos outra alternativa porque a China quer melhorar as relações com o Japão", comentou ao Christian Science Monitor (CSM) Jin Linbo, investigador da Instituto Chinês de Estudos Internacionais, um think-tank do Governo.
Mas poderá não ser esta a prioridade de Abe, na perspectiva de analistas japoneses ouvidos pelo CSM. As eleições para o Senado são daqui a dez meses, e se Abe quer manter o cargo terá de se concentrar nas questões internas: segurança social, sistema de saúde, economia e educação. O primeiro "teste" é já hoje: "Se Abe nomear mais do que quatro ministros [entre os esperados 17] do sector privado, enviará uma forte mensagem de que pretende prosseguir um programa radical de reformas", comentou Robert Feldman, economista da empresa financeira Morgan Stanley, em Tóquio.

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